Os investigadores da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Rodrigo Nunes Roque e Ciro Dantas, foram oficialmente demitidos do cargo de agente de Polícia Judiciária, conforme decisão publicada nesta quarta-feira (16) no Diário Oficial do Estado. A medida foi assinada pelo secretário estadual de Justiça e Segurança Pública, Antonio Carlos Videira, com base no Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nº 31/2023.
De acordo com o documento, ambos foram penalizados com a demissão por cometerem infrações previstas na Lei Complementar nº 114/2005, incluindo o descumprimento de deveres funcionais e violação de diversas proibições previstas para servidores públicos.
A decisão administrativa tem como base os fatos apurados durante investigação que apontou o envolvimento dos dois policiais no desvio de carga de cigarros contrabandeados, apreendida inicialmente durante uma fiscalização da Polícia Militar Rodoviária na MS-462, em Vista Alegre, no dia 29 de junho de 2023.
Prisão
Na noite do dia 4 de julho de 2023, os investigadores foram presos em flagrante após denúncia feita pelo próprio contrabandista responsável pela carga, que identificou dois de seus veículos – que haviam sido apreendidos – estacionados em um “barracão” no Bairro Universitário, em Campo Grande.
Assim que reconheceu os veículos, contatou a Polícia Militar para informar o ocorrido e passar o endereço em que os veículos estavam estacionados.
De imediato, equipes da PM se deslocaram até o local. Duas quadras antes de chegar ao endereço, a viatura foi abordada pelo solicitante, que novamente se apresentou como o contrabandista responsável pela carga de cigarros que vinha do Paraguai e pelos veículos.
Ele relatou que um de seus motoristas havia abandonado o carro, um Astra, e fugido antes de chegar na fiscalização, e o outro havia sido preso, encaminhado pelas equipes da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista (DECAT) até a base do Batalhão da Polícia Militar Rodoviária (BPMRV), e que a equipe policial havia se apropriado do veículo e da carga sem fornecer qualquer documentação.
No momento em que conversavam com o denunciante, um Fiat Punto, com duas pessoas, saiu do depósito informado. Durante a abordagem, a PM verificou que o carona se tratava do investigador da Polícia Civil, Rodrigo Nunes Roque, de 44 anos.
A equipe se deslocou até o “barracão”, e na frente do local encontrou o também investigador da Polícia Civil, Ciro Dantas, de 47 anos, e um homem identificado pela PM como Willian, que mantinha em seu veículo, uma Amarok, uma pistola calibre 40, sem possuir porte.
Willian afirmou ter recebido ligação do policial Ciro para “negociarem algo”.
Os dois veículos Astra, reclamados pelo solicitante, estavam estacionados no pátio do depósito, carregados com cigarros da marca EURO.
Questionados, os dois investigadores da Polícia Civil afirmaram que, após a apreensão, a Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista (DECAT) levou os veículos para a base do Batalhão da Polícia Militar Rodoviária (BPMRV), e que até a manhã de ontem nenhum policial havia aceitado receber a apreensão.
Sendo assim, foram até Vista Alegre durante a tarde e trouxeram os veículos. Ciro e Rodrigo afirmaram que não havia espaço no pátio da DECAT e, por isso, decidiram deixar naquele local particular até conseguirem dar a destinação correta.
Durante vistoria no local, a PM identificou ainda um cômodo em que haviam maços de cigarro de marcas diferentes das encontradas anteriormente. O denunciante identificou os cigarros como os contrabandeados por sua equipe nos veículos Astra.
Nos veículos Astra a carga de cigarro marca EURO totalizaram 960 maços. No deposito que havia no estabelecimento foram apreendidos 1.000 maços de cigarro marca Eigth e 1540 maços de cigarro marca FOX.
Decisão
Inicialmente, o caso foi levado à Justiça Federal. No entanto, no dia 7 de julho de 2023, o juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira declinou da competência, afirmando que os elementos não caracterizavam crime de contrabando, mas sim peculato-desvio crime previsto no Código Penal para servidores públicos que se apropriam de bens apreendidos em benefício próprio.
Na decisão, o juiz afirmou que embora o flagrante tenha sido distribuído a Justiça Federal, os elementos informados não dão conta do cometimento do crime de contrabando, mas de peculato desvio, que é o desvio de carga contrabandeada, que os suspeitos obtiveram em proveito próprio e durante a atividade policial.
Além disso, o magistrado disse na época que não teve relato de atividade comercial, apenas do uso de depósito clandestino operado indevidamente pelos policiais para o armazenamento do cigarro apreendido legitimamente, porém desviado.
O juiz acrescentou que houve a violação do dever funcional, em que os policiais supostamente reprimiram o contrabando apenas para ter acesso à carga, mas não é possível assumir, apenas com os elementos do flagrante, que os investigadores iriam vender ou o que iriam fazer com a carga obtida criminosamente.
Assim, o juiz federal declinou da competência para homologação do flagrante, avaliação das medidas de cautela processual e apreciação do eventual processo criminal dele decorrente.
Com o reconhecimento da incompetência, também ficou prejudicada análise da representação policial pelo acesso aos dados dos aparelhos celulares apreendidos e do pedido de liberdade provisória.
Na mesma data, a Justiça Estadual converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva, durante audiência de custódia presidida pelo juiz Valter Tadeu Carvalho, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Fonte:CE