Durante uma entrevista ao jornalista Jorge Zaidan, no programa Mais Pecuária do Canal do Boi, Antônio Ferreira Rosa, o Toti, chefe-geral da unidade da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em Campo Grande fez um alerta contundente sobre a grave crise orçamentária que a instituição enfrenta.
Segundo ele, a dependência do Tesouro Nacional e um modelo de gestão que a impede de capitalizar sobre suas próprias inovações colocam em risco a continuidade de suas operações, com uma previsão de que a empresa não consiga honrar seus compromissos a partir de 2025 sem uma “tomada de decisão urgente”.
Legado ameaçado
A Embrapa, especialmente a unidade Gado de Corte, é a principal responsável por uma das maiores revoluções da pecuária brasileira. Toti destacou como a tecnologia desenvolvida pela empresa transformou milhões de hectares de solos antes considerados marginais e improdutivos em áreas de alta performance para a agropecuária.
“Nós transformamos uma área que não produzia quase nada além de calango e formiga […] em áreas de eucalipto, em [áreas produtivas], porque conseguimos desenvolver tecnologias para aproveitar isso”, afirmou, citando o desenvolvimento de forrageiras como as brachiarias, que adaptaram a pecuária aos trópicos.
No entanto, esse legado de sucesso contrasta com a realidade financeira atual. Toti apontou que o maior desafio para uma instituição de pesquisa é a descontinuidade. “A grande questão hoje numa empresa de pesquisa é que ela não pode ter descontinuidade no trabalho. Ela tem que sempre manter o trabalho”, explicou, ressaltando que a falta de recursos constantes ameaça projetos de longo prazo que são a base da inovação no setor.
Para ilustrar o cerne do problema, foi feita uma comparação direta com outra gigante brasileira de tecnologia, a Embraer. Enquanto ambas nasceram como empresas estatais com o objetivo de impulsionar setores estratégicos, seus modelos de negócio seguiram caminhos distintos.
“A Embraer, ela atua na atividade econômica. Ela fabrica, ela vende, ela comercializa, ela faz negócio. E a Embrapa não”, pontuou. Ele explicou que, embora a Embrapa opere com um CNPJ de direito privado, ela não atua diretamente no mercado. Seu conhecimento é majoritariamente aberto e gratuito, um bem público que gera um retorno social imenso, como a redução do custo da cesta básica pela metade nos últimos 50 anos, mas que não se converte em receita direta para a própria instituição.
Esse modelo a torna totalmente dependente de repasses do Tesouro Nacional, que têm se mostrado insuficientes para cobrir despesas básicas de manutenção, como eletricidade, vigilância e conservação de laboratórios.
Toti relembrou a criação da Embrapa durante o governo militar, idealizada pelo então ministro da Agricultura, Luiz Fernando Cirne Lima, que “não entendia como um país desse tamanho não produzia alimento sequer para o seu próprio povo”. A instituição foi criada para ser a vanguarda tecnológica do agro.
Contudo, o alerta final foi dramático e direto. O chefe da Embrapa Campo Grande afirmou que, apesar do enorme retorno que a Embrapa gera para a sociedade, o balanço social da Embrapa Gado de Corte sozinho aponta um impacto de R$ 14,1 bilhões, a instituição enfrenta dificuldades para pagar suas contas.
“Se não houver uma tomada de decisão urgente, nós não vamos dar conta de fechar as contas de 2025. […] Eu lamento muito ter que dizer isso aqui para o Brasil inteiro, mas a realidade é essa”, concluiu, deixando um apelo pela sobrevivência de um dos maiores patrimônios da ciência e da tecnologia nacional.
Fonte: Correio do Estado