A crise no agronegócio não começou em 2025, mas nos anos anteriores, quando os produtores rurais foram impactados pela queda dos preços das commodities agrícolas, pela alta dos custos com insumos e por problemas climáticos.
Em relatório temático divulgado em junho, o Itaú BBA pontuou que os produtores rurais normalmente usam uma boa safra para reinvestir em terras e maquinário em vez de acumular poupanças. Mas, após vários anos de colheitas altamente lucrativas, o Brasil enfrentou uma série de problemas climáticos nas safras de 2022/23 e 2023/24.
“Uma das razões para a pressão na inadimplência pode ser a sequência negativa de acúmulo de dívidas do produtor rural por conta de safras anteriores que ficaram abaixo do esperado”, diz o BBA.
Mas o impacto da produção pode ter sido só o estopim. Rodrigo Gallegos, sócio da RGF Associados e especialista em reestruturação, destaca que o problema começou antes, em meados de 2020, quando boa parte do setor se alavancou na pandemia da covid-19. Na época, bancos e o governo ampliaram a concessão de crédito para impedir uma “quebradeira generalizada” no País.
Com as cadeias produtivas paralisadas, os produtores foram se endividando e logo a rolagem de dívidas se tornou mais difícil. Afinal, de lá para cá, a taxa básica de juros brasileira saltou de 2% para os atuais 15% ao ano.
“A despesa financeira começou a ‘comer’ o caixa das empresas, o que levou o produtor a atrasar pagamentos e o colocou em uma crise financeira enorme. Tudo isso com o dólar alto e uma economia que, apesar da taxa de desemprego baixa, não tem sido tão boa”, explica Gallegos.
Um levantamento da Serasa Experian mostra que o cenário de inadimplência da população rural no primeiro trimestre de 2025 chegou a 7,9%. No mesmo período de 2024, o índice era de 7%.
O impacto da Lei de Falências e o risco moral no campo
Além da alta da inadimplência, dados do Serasa Experian mostram que 389 produtores optaram pela recuperação judicial (RJ) no primeiro trimestre de 2025. Trata-se de uma alta de 21,5% em relação aos últimos três meses de 2024. Desse total, 195 RJs vieram do perfil de pessoa física.
“Esse é um perfil que costuma operar com margens mais estreitas, pois além dos custos da atividade em si, arca com despesas adicionais, como o pagamento pelo uso da terra. Em cenários de maior volatilidade climática e de crédito, encontram desafios maiores na gestão financeira e no acesso a garantias, o que explica, em parte, a busca por instrumentos de reequilíbrio judicial”, considera Marcelo Pimenta, head de agronegócio da Serasa Experian.
Junto ao combo de piora macro e microeconômica, há ainda um outro ponto impulsionando uma alta no número de recuperações judiciais no setor. Em 2020, a Lei de Falências foi atualizada para permitir que o produtor rural, na pessoa física, também acesse o instrumento legal, que antes ficava restrito a empresas. A mudança é tida por especialistas como justa, dado que muitos produtores pequenos centralizam as atividades no campo na pessoa física.
Mas isso também abriu uma brecha para certo excesso nas RJs, um movimento que muita gente ligada ao setor vem atribuindo a escritórios de advocacia regionais, que estão incentivando os produtores a optar pelo instrumento. O próprio BB fez esse alerta na última teleconferência de resultados.
O Itaú BBA chama a questão de “moral hazard”, um termo utilizado para se referir a dilemas de risco moral, quando há incentivos assimétricos em uma relação contratual.
“O processo agora é mais fácil para os produtores solicitarem recuperação judicial. Combinado com um histórico recente de aumento de renegociações e prorrogações, pode ter criado um risco moral. Eles podem ter capacidade de pagar, mas sua disposição para fazê-lo pode ter diminuído“, diz o banco em relatório.
O modelo de empréstimos ao agronegócio do Banco do Brasil
A alta nos pedidos de recuperação judicial pesa mais sobre o BB do que sobre os pares privados porque o banco estatal está mais exposto a pequenos produtores. Mas também tem a ver com o modelo de concessão de crédito utilizado pela estatal, que oferece a garantia via penhor de safra.
Em uma carta temática divulgada em julho, em que defende que o mercado ainda subestima os riscos da tese do BB, a Legacy, gestora de multimercados com R$ 20 bilhões em ativos no portfólio, pontua que a garantia via penhor de safra funcionou por muitos anos para o Banco do Brasil. Mas que não é mais adequada à nova realidade de inadimplência do agro.
Os pares privados oferecem crédito rural via alienação fiduciária da terra, um mecanismo de recuperação mais direto e eficiente, diz a gestora. Veja a opinião da Legacy aqui.
Rodrigo Gallegos, da RGF, explica que a alienação fiduciária da terra é mais segura do que a garantia via penhor de safra por um motivo único: pode ser cobrada mesmo que o produtor entre na Lei de Falências. “Na alienação fiduciária, o crédito é automaticamente extraconcursal. O devedor não pode colocar a dívida na RJ, então o credor pode ir atrás da garantia”, diz.
No penhor de safra, não. Por causa disso, com a alta nas RJs, o BB tem tido dificuldade em executar as garantias previstas nos contratos e sofrido mais do que outras instituições.
Fonte: Estadão