domingo, 7 dezembro, 2025 23:57
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Movimentos fundam a frente “Resistência Agrária” e clamam por reforma agrária em Mato Grosso do Sul

de Redação Bonitonet
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Campo Grande (MS) — Em um momento de promessa de retomada da reforma agrária no Estado, um novo coletivo de movimentos sociais surge com a proposta de rearticular as lutas do campo em Mato Grosso do Sul. Na última sexta-feira, 31 de outubro, foi apresentada oficialmente na sede do Incra-MS/SR-16, em Campo Grande, a Federação Resistência Agrária, formada por lideranças de diferentes regiões que decidiram se organizar em rede.

O novo agrupamento reúne, inicialmente, os acampamentos Abraão Lincoln (Ponta Porã), AFBLA – Associação das Famílias Bonitenses pela Luta da Reforma Agrária (Bonito), Água Viva (Campo Grande), Nova Esperança Terra e Teto (Nova Andradina) e USB – União Social Brasileira (Campo Grande). Juntas, essas organizações representam cerca de 1.800 famílias sem-terra acampadas em diferentes regiões do Estado. Outras frentes poderão ser incorporadas nos próximos dias, segundo relato de suas lideranças.

A cerimônia de apresentação contou com a presença do superintendente do Incra-MS, Paulo Roberto, do vereador Landmark (PT), de Campo Grande, além de representantes de acampamentos de várias regiões do Estado. Também participou o empresário e ex-sem-terra Carlos Bernardo. De acordo com as lideranças, a criação da Resistência Agrária marca um novo ciclo de mobilização dos trabalhadores sem-terra, orientado pelo trabalho coletivo, pela tomada de decisões democráticas e pela autonomia política: “Os movimentos sociais que compõem a Resistência Agrária são autônomos e independentes, sem ligação com sindicatos municipais ou qualquer outra entidade. Cada movimento possui seu próprio estatuto e forma de trabalho. Decidimos unir forças devido às nossas ideologias comuns, como a oposição à invasão de propriedades e ao bloqueio de estradas, sem recorrer a ações radicais que possam prejudicar a sociedade”, afirmou Neimar Sanches, dirigente da AFBLA e um dos porta-vozes da nova federação.

Cerca de 17 mil famílias aguardam terra no Estado

Segundo estimativas das lideranças que compõem a frente, hoje quase 17 mil famílias aguardam um lote de terra em Mato Grosso do Sul. Desde o início do governo Lula III (2022), apenas uma nova área de assentamento está em processo de seleção de famílias na região de Cassilândia —, encerrando um jejum de quase doze anos sem criação de novos assentamentos. Segundo informações repassadas para essa reportagem pela assessoria de comunicação do Incra-MS, quanto às famílias acampadas no estado, “em 2024 foram cadastradas 12.980 famílias. Em 2025, foram 3.343”.

A estratégia do governo federal, na tentativa de responder às reivindicações dos movimentos, tem se pautado por ações múltiplas, que vão desde a retomada da política de assentamentos até a reorganização de áreas já existentes, visando aumentar o número de famílias assentadas dentro de projetos já implantados.

Para os movimentos de luta pela terra, as demandas são urgentes. As famílias acampadas reivindicam territórios, trabalho e políticas públicas voltadas à agricultura familiar: “É importante mostrar à sociedade que não somos o que dizem. Estamos ali de forma ordeira e organizada, sem querer atrito com ninguém. Nosso objetivo é reivindicar nossos direitos, especialmente a negociação”, afirma Neimar Sanches, liderança da AFBLA.

Nova metodologia e princípios da frente

As lideranças da Resistência Agrária apontam que a ausência de ações mais concretas do Incra agrava a situação de vulnerabilidade dos acampados. Muitos sobrevivem de doações esporádicas de alimentos, enfrentando condições precárias de moradia e falta de acesso à água nas margens das rodovias. As cestas básicas prometidas pelo governo federal ainda não chegaram à totalidade dos acampamentos, situação que, segundo as lideranças, decorre de entraves burocráticos herdados de governos anteriores. Mesmo após contato com o MDA (Ministério de desenvolvimento agrário e agricultura familiar) esta reportagem não obteve, até o momento, respostas conclusivas sobre o cronograma de distribuição das cestas.

Além da precariedade cotidiana, há também um clima de medo constante, marcado por tentativas de despejo e ações intimidatórias. Nos últimos anos, a AGESUL (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos), órgão vinculado à Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística, tem movido ações na tentativa de remover famílias instaladas em áreas públicas às margens de rodovias estaduais, conhecidas como faixas de domínio público.

Nessas situações, agentes supostamente públicos promovem operações sem mandado judicial, o que, segundo os movimentos, visa amedrontar as famílias, desmontar os acampamentos e desmobilizar suas manifestações.

A Resistência Agrária nasce, portanto, com a proposta de uma metodologia horizontal, fundada em decisões amplas, participação coletiva e ausência de autoritarismo. As lideranças enfatizam que a luta pela terra deve ocorrer sem ruptura com a sociedade civil: “Somos contra trancar rodovias, pois isso prejudica o fornecimento de alimentos e outros serviços essenciais. Visamos a política da boa vizinhança e queremos ser respeitados, mostrando que temos uma ideologia e um modo de trabalho bem definidos. Não desejamos atrapalhar ninguém; apenas queremos que nossa luta ocorra sem interferir na vida da sociedade”, explica Neimar Sanches, da AFBLA.

Essa reconfiguração representa uma inflexão no cenário político das lutas agrárias em Mato Grosso do Sul, ao propor um modelo de articulação descentralizado, plural e cooperativo, que busca ampliar a pressão por vistorias de terras, criação de novos assentamentos e políticas de fortalecimento da agricultura familiar.

Contexto

Desde 2012 o Incra não criava novos assentamentos em Mato Grosso do Sul. O Estado permanece entre os de maior concentração fundiária do país, com índice de Gini de 0,867, segundo dados do Incra e do IBGE.

Com a proximidade das eleições de 2026, as lideranças da Resistência Agrária manifestam receio de um novo congelamento político das pautas agrárias, com o tema voltando a ser relegado ao segundo plano da agenda federal. “Acreditamos no direito de reivindicar ocupando prédios públicos. Nosso objetivo é cobrar das instituições medidas concretas em prol da luta pela terra, sem impedir o direito de ir e vir da população ou afetar a produção rural e urbana.”, reforça Nei Sanches.

Até lá, a Resistência Agrária promete intensificar suas mobilizações, mantendo o diálogo com o governo federal e cobrando o cumprimento das promessas de retomada da reforma agrária em Mato Grosso do Sul.

Fonte: Leonardo Reis ( Sociólogo)/Gabriela Junqueira

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