Conhecida como uma das grandes vozes da MPB desde os anos 1990, Adriana Calcanhotto, com show marcado em Campo Grande para o dia 28, acabou aceitando outra agenda na Capital antes da apresentação, no Bosque Expo (Shopping Bosque dos Ipês), em que vai mostrar as canções de “Errante” (2023), seu 13º e mais recente álbum de estúdio.
A cantora, compositora e instrumentista também vem mostrando, há algum tempo, o resultado de seu trabalho enquanto escritora – como se qualquer letrista de canção já não o fosse – e estará no Teatro Glauce Rocha, na segunda-feira, a partir das 19h, para falar sobre essa outra faceta criativa desenvolvida ao longo de sua carreira. Calcanhotto é o destaque da 35ª Noite da Poesia.
O evento tem entrada franca e, em edições anteriores, já trouxe a Campo Grande nomes como o escritor Ariano Suassuna (1927-2014), a filósofa Viviane Mosé, o rapper Gabriel O Pensador, o roqueiro e poeta Arnaldo Antunes, a escritora Adélia Prado e o poeta Thiago de Mello (1926-2022).
A União Brasileira de Escritores de Mato Grosso do Sul (UBE-MS) é a responsável pela Noite da Poesia, principal data no calendário anual da entidade.
A escritora Lucilene Machado, presidente da UBE-MS e professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), arrisca um cotejo entre canção e poema ao falar sobre as credenciais da convidada, que vai falar sobre “literatura e sua relação com a poesia” na 35ª edição do evento.
“Adriana Calcanhotto é uma poeta, vejo suas composições como poesia adaptada para canções. Percebe-se um refinamento criativo muito próximo da elaboração de um poema. Há de se ter um conhecimento de literatura, tanto para compor como para ouvir. Claro que nas canções consideramos também a interpretação, e creio que esse fator é um atrativo para os fãs, mas a sua potência poética é semelhante à do poema, capaz de consagrar princípios inovadores, inclusive”.
VERVE LITERÁRIA
O formato do encontro da cantora de 58 anos com o público na segunda-feira será um bate-papo versando sobre a influência da palavra na expressão artística de Adriana. Uma oportunidade para escritores e leitores mergulharem na trajetória poética da artista gaúcha, que tem obras literárias publicadas para diferentes faixas etárias e que dialoga com autores consagrados, a exemplo de Ferreira Gullar (1930-2016) e Vinicius de Moraes (1913-1980).
Além do trabalho como antologista, que vem ganhando corpo, ela publicou, de sua autoria, “Algumas Letras”, em 2003, e “Saga Lusa – O Relato de Uma Viagem”, em 2008.
A compositora e intérprete de “Esquadros” (“Eu ando pelo mundo prestando atenção/Em cores que eu não sei o nome/Cores de Almodóvar/Cores de Frida Kahlo, cores…) e de diversas outras canções de sucesso chegou a ter o seu nome entre os que circularam como possíveis ocupantes da vaga aberta na Academia Brasileira de Letras (ABL) com a morte, em janeiro, da professora Cleonice Berardinelli (1916-2023).
Mas ela acabou desistindo de concorrer em função de um tributo a Gal Costa (1945-2022) do qual não quis abrir mão.
“Eu fiquei interessada na cadeira 8 pela Cleonice, que era minha mestra, e posso dizer que ficamos amigas. Nós fizemos recitais juntas, e ela me ensinou muito sobre poesia portuguesa. Era uma mulher extraordinária. Fazer uma campanha, na verdade, é conversar com os acadêmicos. Eu tenho muitos amigos lá, já estive algumas vezes quando tinha o Ferreira Gullar, o Nelson Pereira dos Santos”, declarou Adriana em uma entrevista no mês de abril.
“E agora eu tenho uma outra turma de amigos lá: Antonio Cicero, Gilberto Gil, Fernanda [Montenegro]. Mas o que acontece é que eu recebi o convite para fazer o tributo à Gal, e aí eu escolhi fazer o tributo à Gal. Não daria para fazer tudo isso ao mesmo tempo, lançar o ‘Errante’, ensaiar o ‘Errante’, ensaiar a Gal e fazer uma campanha”, disse a cantora. A eleita foi Heloísa Buarque de Hollanda, por coincidência ou não, uma antologista de mão cheia.
PARTIMPIM
No universo infantil, uma das obras de destaque de Adriana Calcanhotto é o livro “Antologia Ilustrada da Poesia Brasileira” (2014), em que ela organizou uma seleção e fez ilustrações para 48 poemas, que vão de “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias (1823-1864), até poemas de Olavo Bilac (1865-1918), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Adélia Prado.
Antes disso, a artista lançou três álbuns dedicados à criançada. Em 2004, foi lançado “Adriana Partimpim”, apelido dado pelo pai quando Adriana era menina e que a artista adotou para lançar 10 canções embebidas no universo e na sensibilidade dos pequenos.
O projeto lhe rendeu o Grammy Latino na categoria Melhor Álbum Infantil. Na sequência, vieram “Partimpim Dois” (2009) e “Partimpim Tlês” (2012).
A escolha da sua assinatura como um heterônimo – Adriana Partimpim – decorreu da inspiração na tradição criativa e reconhecida de nomes consagrados, como o escritor português Fernando Pessoa (1888-1935) e o músico britânico Matthew Herbert, parceiro de Björk e de outras estrelas globais.
Entre as compilações para o público adulto que organizou, destaca-se “É Agora Como Nunca: Antologia Incompleta da Poesia Contemporânea Brasileira” (2017). Dessa vez, no lugar de nomes consagrados, Adriana buscou dar destaque à então nova safra de talentos na poesia, reunindo descobertas como Gregório Duvivier e Alice Sant’Anna.
A desenvoltura em conciliar uma arte brasileira mais tradicional com talentos contemporâneos em seu repertório levou a artista para o além-mar a fim de atuar como professora convidada na Faculdade de Coimbra (Portugal), onde passou a lecionar sobre composições musicais, em 2017, além de cursar Arqueologia. Experiências que a artista compartilha com seus fãs por meio da sua criação musical, literária e em eventos como o bate-papo poético do Glauce Rocha.
De conversa em conversa, o talk show, bem como suas variações, também é um campo bem familiar à artista, não somente pelas performances musicais e, mais recentemente, pela presença na universidade. É que, em 2014, Adriana encarou o desafio de se tornar apresentadora de TV.
Naquele ano, ela conduziu o programa “Poesia em Movimento”, em que proseou com artistas como Arnaldo Antunes e Antônio Cícero sobre a poesia, não como elemento de produção artística, mas como protagonista de suas obras.
ZEITGEIST
“O evento é sempre a manifestação do nosso tempo. Sobre o que estamos falando? As palavras do poeta são também as palavras do povo. São suas e são de outros. O poema é um tecido de palavras perfeitamente datadas, um ato original do qual a história coletiva ou individual poderá se beneficiar, é uma condição de existência”, recobra Lucilene sobre a importância do evento dedicado à literatura.
Na 35ª Noite da Poesia, além do talk show com Adriana Calcanhotto, também haverá a premiação dos melhores poemas inscritos nas categorias de autores nacionais e sul-mato-grossenses. Os prêmios chegam a até R$ 5 mil.
“Não creio que o mais importante seja o prêmio em dinheiro. Isso também é importante, o poeta tem as mesmas necessidades que todas as pessoas. Mas [o mais importante seria] sim promover esse ‘fazer poesia’, promover essa experimentação”, pontua a presidente da UBE-MS.
“O poema, que é um ser de palavras, vai além das palavras, vai além da história, não se esgota em seu sentido e simultaneamente é uma expressão social, é uma manifestação histórica. Como diz o escritor mexicano Octavio Paz [1914-1998]: o poema é poesia e, também, outra coisa”, completa.
Mais informações nas redes sociais: @ube.ms e @mktproduções.
Fonte:CE