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Na revista Biólogo, José Sabino faz considerações a respeito do ecoturismo em Bonito

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EM 1994, o Prof. Dr. José Sabino, que então estudava o comportamento de peixes em seu doutorado na Uni-
camp, passou férias com a família em Bonito e se encantou com a combinação única de biodiversidade em rios com águas cristalinas, na Serra da Bodoquena, no estado de Mato Grosso do Sul.

Sabino percebeu que os peixes poderiam servir como bio-indicadores confiáveis para balizar com referências métricas a saúde dos ecossistemas que começavam a ser impactados pela incipiente atividade turística em Bonito. Ainda em 1994, ele começou a prestar serviços de consultoria para proprietários que estruturavam passeios em suas fazendas, como flutuações com esnórquel em rios e lagoas para a visualização da fauna aquática e visitas a cachoeiras e grutas.

Ele se juntou a um grupo de especialistas, como o pioneiro geólogo Paulo Boggiani, que fornecia embasamento científico para a organização dos passeios turísticos e treinamento de guias em cursos oferecidos pelo Sebrae em parceria com a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Alguns passeios já funcionavam na época com base em autorizações precárias e o trabalho de Sabino e outros cientistas fundamentou a obtenção das licenças prévias, de instalação e de operação junto ao Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul).

Com base em informações científicas de especialistas como Sabino, os proprietários das fazendas onde estão as atrações e o poder público criaram protocolos para exploração do turismo em Bonito com a conservação dos ecossistemas.

“Eu contribuí com uma parte, com recomendações. A gente produz a ciência com a melhor qualidade possível e
disponibiliza. Mas o cientista não pode ter a megalomania de achar que vai decidir tudo”, pondera Sabino. “Quanto mais madura for a sociedade, mais será capaz de absorver o que a gente produz”.

Os protocolos preveem, entre outros pontos, limites máximos para o número de turistas por passeio, o mo-
nitoramento das atividades por profissionais treinados, o acompanhamento dos grupos por guias, a instalação de estruturas adequadas nos locais e o uso de equipamentos.

Os ingressos para os cerca de 60 passeios são centralizados no chamado voucher único, adquirido pelos turistas em agências cadastradas. A receita das vendas é rateada entre a Prefeitura (5% de ISS), agências (20%), guias (10%) e proprietários (65%).

O planejamento e organização permitiram o desenvolvimento de uma indústria turística pujante no local, que concilia a geração de emprego e renda com a conservação ambiental. Segundo Sabino, Bonito e os outros dois municípios na Serra da Bodoquena, Jardim e Bodoquena, recebem anualmente de 200 a 220 mil turistas, que
realizam cerca de um milhão de visitas aos ambientes naturais por ano. O setor propicia aproximadamente 7 mil
empregos diretos e indiretos nos municípios, que contam com uma rede hoteleira de quase 4 mil quartos.

Mas o modelo de turismo sustentável de Bonito está em risco, alerta Sabino. O problema vem de fora. Nas
propriedades onde estão as atrações, muitas delas reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), os ecossistemas são protegidos. O mesmo não acontece nas fazendas nas áreas adjacentes.

“A partir de 2015, houve uma expansão muito grande do uso da terra para a agricultura na região principalmente
para a cultura da soja em escala industrial, que demanda muito agrotóxico. Certos proprietários não respeitam
a proteção legal às matas ciliares, o que ocasiona o assoreamento dos rios”, denuncia Sabino, que atualmente
mora em Campo Grande e é professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (Uems).

O principal dano ao turismo local é o aumento da turbidez das águas dos rios, o que crescentemente leva ao
cancelamento de passeios para a visualização da fauna aquática. Os visitantes também reprovam a visão das
áreas rurais degradadas nos trajetos para as atrações. “O setor de turismo de Bonito tem uma governança
robusta, mas os problemas vêm de fora. Seria preciso expandir a governança, incluindo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e outras instâncias estaduais”, sugere Sabino. “Eu não sou contra o agro, que é inegavelmente importante. Sou contra o agro mal feito, que não respeita as áreas de preservação permanen-
te, as APPs. As matas ciliares têm que ser sagradas. Os proprietários já têm uma área enorme. Por que a ga-
nância de plantar até as margens dos rios sem res peitar os limites das APPs?”

Pesquisas e documentários
O trabalho de Sabino em Bonito tem desdobramentos no plano acadêmico. O especialista já publicou vários artigos com os resultados de suas pesquisas na região. Ao coordenar o Projeto Peixes de Bonito, o pesquisador criou uma rede colaborativa com a participação de aproximadamente 40 pesquisadores do Brasil e exterior. Para o Biólogo, não se faz nada sozinho na ciência contemporânea.

Um dos artigos de Sabino e outros cientistas parceiros foi Impact of ecotourism on the fish fauna of Bonito
region (Mato Grosso do Sul State, Brazil): ecological, behavioural and physiological measures, publicado
em 2014 na revista Neotropical Ichthyology. O estudo avaliou o impacto do ecoturismo na ictiofauna do
rio Sucuri, em Bonito, comparando resultados em trechos do rio com e sem atividade turística.

A conclusão foi que indivíduos das espécies de peixes Crenicichla lepidota e Moenkhausia bonita impactados pelo turismo apresentavam indicadores comportamentais e fisiológicos (níveis elevados de cortisol) de estresse. Os resultados criaram uma referência que pode ser utilizada para redimensionar os passeios nos rios da região.

Em 2017, Sabino e parceiros produziram o review Impacts of Fish Tourism, compilando pesquisas em rios e no oceano em diversas partes do mundo, que foi publicado como capítulo de um livro pela editora Springer.

Nos dois casos, os estudos se concentraram no turismo baseado na observação de peixes em condições de
mergulho ou esnórquel (flutuação), não na pesca turística, ressalta Sabino.  “O principal impacto positivo desse tipo de turismo é na percepção de que os peixes não são só comida e de que os rios são ecossistemas ricos. Se você pesquisar no Google o termo ‘conservação de peixes’, a maior parte dos resultados ainda é sobre como conservar pescados congelados para alimentação”, destaca Sabino.

“Os benefícios do turismo de observação de peixes são amplos e a questão é o que precisamos fazer para
mitigar os impactos negativos dessas atividades nos ecossistemas”. Pesquisas científicas também servem de matéria-prima para a produção de documentários de natureza, ressalta Sabino. Ela cita o exemplo de um estudo de sua autoria com outro especialista – Association between fruit-eating fish and foraging monkeys in western
Brazil – sobre a inusitada interação alimentar entre macacos-pregos (Sapajus cay) e peixes piraputangas
(Brycon hilarii), que acontece na região de Bonito.

Cardumes de piraputangas seguem os macacos-pregos, que se alimentam de frutos nas árvores das matas
ciliares. Segundo Sabino, os primatas são “desajeitados” e deixam cair nas águas dos rios parte dos frutos, que são abocanhados pelos peixes.

Com base na pesquisa, conta Sabino, a TV Globo realizou um programa para o Globo Repórter e os canais
internacionais BBC (do Reino Unido), NHK (Japão) e National Geographic (EUA) fizeram documentários sobre a interação macacos-pregos/piraputangas.  Sabino, que por meio de sua empresa Natureza em Foco já participou da produção de dezenas de documentários de natureza, prevê que uma nova pesquisa de sua autoria com parceiros também será alvo de uma produção audiovisual. O estudo Evidência indireta de associação de seguidor entre dourado (Salminus brasiliensis) e sucuri-verde (Eunectes murinus) em um rio de águas claras do Centro
-Oeste do Brasil foi publicado recentemente na revista Biota Neotropica.

Os cientistas observaram dourados seguindo sucuris-verdes, nadando no fundo de rios em Bonito. A hipóte-
se dos pesquisadores, ainda a ser confirmada por novos estudos, é que os dourados aproveitam o “tumulto”
provocado pelas cobras, por exemplo, com a formação de nuvens de sedimentos, para comer pequenos animais.
“Nós, humanos, somos primatas visuais. 70% do que entra de informação no nosso cérebro é visual”, ressalta
Sabino. “Os documentários são a melhor forma de popularizar a ciência. Enquanto um paper é lido por 2 mil
pessoas em média, um doc pode ser assistido por um milhão de espectadores”

Fonte: OBiólogo

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