Premiada, Fernanda é bióloga, especialista em Ecologia das Estradas, com foco no atropelamento e morte de mamíferos, e é sócia-diretora da ViaFAUNA.
Angela é diretora executiva da Rede Pro-UC, expert em unidades de conservação, em fazer boas conexões e idealizadora do maior evento de mobilização pelas áreas protegidas do Brasil: Um Dia no Parque.
Juliana e Raquel atuam na reabilitação e reintrodução de animais silvestres. Com a Ampara Silvestre e o Instituto Raquel Machado, elas também garantem o bem-estar daqueles que, infelizmente, não podem voltar a seus habitats, em geral, vítimas do tráfico.
Agora, as quatro conservacionistas estão unidas em um projeto para reduzir os atropelamentos da fauna nas rodovias de Bonito, em Mato Grosso do Sul. E conhecem bem o tamanho do desafio.
Quem iniciou esse movimento foi Raquel, que tambêm é conselheira da Fundação Neotrópica do Brasil.
Indignada com a quantidade de animais encontrados mortos todos os dias nas estradas da região, ela procurou por Angela, que rapidamente conectou Fernanda, especialista no tema.
Em seguida, Raquel convidou Juliana para integrar o grupo que, nos próximos anos, vai trabalhar pela redução das colisões que envolvam animais nas rodovias de Bonito, incluindo a MS-382, MS-178, MS-345 e a Estrada do Turismo, nome dado à Avenida Matheus Muller.
A princípio, o projeto terá três frentes de trabalho:
– Plano de mitigação para redução de colisões que envolvam animais silvestres de médio e grande porte em estradas e rodovias de Bonito;
– Campanha de Comunicação/Conscientização: atividades para engajamento da população acerca das colisões de fauna; e
– Advocacy: atividades institucionais/políticas para influenciar a criação de novas políticas públicas, alocações de recursos e gestão da problemática das colisões nesses viários.
A primeira fase consistiu em uma avaliação in loco das rodovias estaduais acima citadas, a fim de levantar que estruturas são desejáveis para o plano de mitigação, tais como alocação de passagens inferiores de fauna, passagens superiores de fauna, cercamento, alocação de placas de sinalização de advertência e de travessia de fauna, além de limitadores físicos e eletrônicos (radares) de velocidade.
O mapeamento identificou 11 pontos para alocação de passagens superiores, incluindo pontos de alta circulação de turistas como a Estrada do Turismo, que dá acesso a diversos atrativos da cidade e na rodovia MS-178, na ponte dos rios Formoso e Formosinho, veja abaixo.
Tipo de passagem superior de fauna a ser instalada em Bonito/MS. Fonte: ViaFAUNA
“As passagens inferiores de fauna em combinação com cercamento são as medidas mais eficientes e comuns, mundo afora, para reduzir o atropelamento de animais terrestres de médio e grande porte (mamíferos, principalmente)”, explica Fernanda.
Já as passagens aéreas são medidas exclusivas para permitir a travessia de animais com hábitos arborícolas, ou seja, que se deslocam essencialmente ou parcialmente pela copa das árvores, como gambás, cuicas e primatas.
“Suspeita-se que o declínio populacional seja maior que 30% nas últimas três gerações devido a fatores como a perda, fragmentação e desconexão de habitat, aumento da matriz rodoviária e energética, expansão urbana, incêndios, caça, vulnerabilidade a epidemias, assentamentos rurais e endogamia, entre outras ameaças”, destaca a especialista.
Os maiores desafios
Fernanda salienta que um dos maiores desafios é mudar a forma como o Estado do Mato Grosso do Sul tem planejado, instalado e operado suas rodovias.
“Em pleno 2021, é inconcebível que os projetos de engenharia rodoviária do Mato Grosso do Sul não considerem a impactante dinâmica destes empreendimentos no meio ambiente natural, principalmente em relação à fauna silvestre!”.
Para Raquel, o grande desafio “é sensibilizar e mobilizar os diferentes setores envolvidos neste processo. É tornar este assunto uma pauta ambiental que precisa ser imediatamente priorizada e internalizada por todos. Este é o nosso desafio!”. E completa:
“Juntamos nossas instituições para realizar este projeto porque entendemos que o município de Bonito precisa adotar medidas imediatas para conter os atropelamentos de fauna nas principais rodovias. É preciso entender que esta alta mortandade de animais caminha na contramão de uma cidade referência no ecoturismo* nacional e internacional“.
Angela revela que o projeto tem importância estratégica e de alto impacto.
“De repente, descobrimos que não basta ‘apenas’ criar unidades de conservação e garantir sua conectividade, pois nossos animais têm sido submetidos a uma verdadeira carnificina nas estradas brasileiras. Infelizmente, a gravidade dos atropelamentos de fauna para a biodiversidade – embora razoavelmente bem documentado pela ciência -, ainda é ignorado pela sociedade”.
“Unir esforços com o máximo de setores é a única forma de atingir um público cada vez maior e mudar essa realidade. É isso que esta iniciativa significa”.
Em 22 de fevereiro, representantes da Rede Pro-UC, do Instituto Raquel Machado, Ampara Silvestre, Instituto SOS Pantanal, Via Fauna e Fundação Neotrópica do Brasil – se reuniram com o prefeito de Bonito, que se comprometeu com a instalação de duas passagens de fauna, que serão definidas pela equipe que fez o levantamento dos pontos.
“Além do plano de mitigação, foram discutidas ações de remanejo de carcaça e campanhas preventivas envolvendo moradores, empresas e demais setores que se interessem pela causa”, conta Raquel.
Em seguida, serão abordadas as questões sobre o cercamento em combinação com pontes, drenagens fluviais e passagens de gado e a redução de velocidade em pontos estratégicos.
Parceiros em todas as frentes
O Instituto SOS Pantanal, parceiro do projeto, assumiu a construção de mais duas estruturas. Então, já são 4!
Com sua chegada, vieram outras organizações e grupos de trabalho, como o ICAS, o Instituto Homem Pantaneiro e o INCAB para juntar esforços na redução de colisões com animais na BR-262 e outras rodovias do Mato Grosso do Sul.
“Com isso, pela primeira vez em nosso país, temos uma ação coordenada sendo estabelecida, com instituições fortes e atuantes, olhando e buscando soluções concomitantes em algumas das principais estradas da morte do Mato Grosso do Sul”, ressalta Raquel.
Em nível local, o grupo busca estabelecer parcerias com o setor empresarial de Bonito, especialmente do turismo, como hotéis, restaurantes, atrativos particulares e guias de turismo. Além, é claro, do setor governamental, por meio da Prefeitura, Secretarias de Meio Ambiente e de Turismo, Ministério Público Estadual e outros.
“Queremos que a cidade abrace esse projeto! Acreditamos fortemente que a sociedade civil pode trazer grandes mudanças para esta triste realidade da mortandade de animais nas rodovias. O primeiro passo já foi dado, estamos nos unindo, criando um time de profissionais multidisciplinares para abordar este problema grave”, conta
O Mato Grosso do Sul é um estado reconhecido pela sua beleza natural e ecoturismo, e pode ser referência na solução desse grave problema. O objetivo da nossa união é manter a fauna do nosso Estado viva!
Mulheres, conservacionistas, unidas, jamais serão vencidas
“Somos quatro instituições com perfis diferenciados, todas lideradas por mulheres que olham para uma mesma direção. Buscamos ampliar parcerias e cada vez mais aumentar nosso poder de atuação para estabelecer soluções definitivas para esse problema de dimensões tão gigantescas, quanto inaceitáveis”, salienta Angela.
E Raquel completa: “Somos um grupo de mulheres brasileiras, que trabalham com conservação da natureza e proteção da fauna. Somos, antes de mais nada, apaixonadas pela biodiversidade, pelos animais e temos, cada uma a seu modo, dedicado nossas vidas à proteção dos que não têm voz.
Confiamos na nossa força de trabalho e de vontade para fazer a diferença e também na capacidade de ampliarmos parcerias e mobilizarmos mais e mais setores da sociedade para essa causa.
Como mulheres, estamos familiarizadas com desafios e, talvez por isso, sejamos incansáveis e não aceitemos um ‘não’ como resposta. isso serve para que continuemos a pensar em novas alternativas.
Entendemos que, juntas, formamos numa boa alquimia, reunindo capacidades e competências diferenciadas que se completam.
Desde o início nos apoiamos: da concepção da proposta até a implementação. Sabemos que se trata de um desafio imenso, mas acreditamos que este projeto mudará a realidade encontrada nas rodovias de Bonito, onde centenas de animais são atropelados todos os anos.
Somos um grupo de mulheres que não aceita olhar para esta tragédia e não encontrar uma solução“.
*Na definição de ecoturismo ou turismo ecológico adotada pelo Ministério do Meio Ambiente, em conjunto com a Embratur e inspirada na Sociedade Internacional de Ecoturismo, a utilização do patrimônio natural e cultural por essa atividade turística pressupõe consciência ambiental e sustentabilidade.
Fonte: Conexão Planeta, por Mônica Nunes