Vivendo numa chácara na cidade de Miranda, o artesão Adão Pinto Gonçalves, conhecido como Adão-Índio, de 50 anos, passou por maus bocados em 2020. Além de ter sua renda mensal chegar a zero em alguns meses, ele ainda foi infectado pelo novo coronavírus e passou 9 dias internado. Sobreviveu para contar a sua história e continuar fazendo seus lindos passarinhos pantaneiros em argila e madeira.
Mesmo sentindo algum cansaço e eventuais crises de pânico, Adão já retornou ao trabalho. “Passamos por maus bocados”, conta o artesão para quem o ano de 2020 foi o pior período da sua vida. “Não fosse o recurso da Fundação de Cultura eu não sei o que teria sido da gente”, revela.
Adão foi um dos artistas contemplados pela Lei federal Nº 14.017, a Lei Aldir Blanc, no edital Artesania Online. Ao toda, a Fundação de Cultura realizou 21 editais em diversos segmentos da cultura. Os cinco mil reais do prêmio, segundo o artista, foram usados na compra de materiais para continuar produzindo e sobrevivendo.
As aulas que serão disponibilizadas para o público, foram gravadas com celular de amigos. “Consegui ensinar o passo a passo do meu trabalho”, conta orgulhoso. A esperança de Adão é que este ano as coisas melhorem e os lojistas voltem a comprar sua produção.
Além de premiar pessoas físicas e jurídicas, conforme regulamento de cada edital, selecionando projetos e produtos de diversos segmentos artísticos, a Lei também contemplou 110 artistas com o auxílio emergencial de R$ 3 mil.
No total, a Fundação de Cultura do Estado (FCMS) pagou recursos na ordem de R$ 3.968.260,00, sendo R$ 3.647.260,00 para os 678 titulares e 156 suplentes dos editais e R$ 320.000,00 para os beneficiados com a renda emergencial.
O cantor lírico Virgílio Miranda, de 30 anos, por exemplo, não pode trabalhar durante todo o ano em Corumbá, cidade onde vive. Para ele o auxílio emergencial foi a única possibilidade de se manter. “Passei o ano sem nenhuma atividade por conta das restrições necessárias ao combate da Pandemia”, conta ele que também é professor de canto e está tentando retomar as aulas.
“Tive que ser sustentado pela família, porque não tive apresentações nem alunos durante todo o ano”, revela Virgílio, que ficou ainda mais restrito por fazer parte do grupo de risco. Até o recurso da internet para eventuais apresentações (lives) e aulas foi complicado para o artista. “Por conta das queimadas a qualidade do serviço de rede caiu muito e não permitiu o compartilhamento em tempo real”, explica.
Tempo exíguo
Embora um número expressivo de artistas de diversos segmentos tenha sido beneficiado pela lei Aldir Blanc, o contingente – de apenas 110 pessoas – que pode receber a renda emergencial, frustrou a expectativa da Fundação de Cultura.
“Nossa intenção era contemplar cerca de cinco mil pessoas”, revela o presidente da Fundação Estadual de Cultura, Gustavo de Arruda Castelo. Segundo ele isto não foi possível devido ao pré-requisito do governo federal que vetou o recurso a quem recebeu auxílio emergencial. O cruzamento de dados feito pelo Dataprev resultou em apenas 110 nomes. Desta forma, como prevê a Lei, o restante dos recursos destinados a Cultura voltaria aos cofres do Governo Federal.
Em vista desta prerrogativa, poucos estados conseguiram usar a totalidade do valor. Por isto, e diante das reinvindicações, um novo decreto, publicado em 29 de dezembro, deu aos estados e municípios o prazo de dois dias para empenhar e elaborar nova lista de contemplados.
Com o tempo exíguo e as exigências impostas, as procuradorias da Fundec e do Governo do Estado se debruçaram na busca de novos meios para manter os recursos no Estado. A solução encontrada veio através de Decreto Normativo assinado pelo governador Reinaldo Azambuja, destinando o saldo remanescente do PAEC/Cult/MS ao pagamento de apresentações presenciais dos contemplados nos Editais de 2020.
“Gostaríamos de ter contemplado novos personagens da nossa cultura, pessoas que não conseguiram receber o auxílio, mas infelizmente não foi possível”, declara Gustavo. As 834 pessoas (físicas e jurídicas) contempladas receberão o dinheiro ao longo de todo o ano de 2021.
Compra de materiais
Vice-presidente da Unearte – União Estadual dos artesãos, a artesão e designer, Claudia Castelão, 54 anos de idade e 30 anos de ofício, sabe bem das dificuldades que ela e seus colegas viveram durante o ano passado. A instituição, inclusive, ajudou muitos artistas a elaborarem os projetos inscritos no Edital.
A própria Claudia teve que fechar o ateliê onde confecciona suas biojóias, colares feitos de materiais sustentáveis e inspiradas nos elementos do Pantanal.
Segundo ela, não fosse a sensibilidade da Fundação de Cultura do Estado, o trabalho dos artesãos seria muito prejudicado. “Este recurso que recebemos através da participação nos editais foi extremamente valioso”, confessa, elogiando também a capacidade da instituição de manter todo o recurso no Estado.
“A cultura não pode parar”, atesta Claudia, que usou os recursos recebidos para comprar materiais e retomar a produção. O projeto apresentado pela artesã é um vídeo com quatro aulas ensinando as técnicas do seu trabalho. As aulas, segundo ela, podem servir de inspiração para que as pessoas aprendam um ofício e tenham uma segunda renda.
Benefício alcançou as famílias dos trabalhadores da cultura
Quem também investiu o recurso na compra de material foi a ceramista Elizabeth Marques. Conhecida pela confecção de santas pantaneiras e figuras icônicas, Beth, como é conhecida, conta que perdeu quase toda sua renda. De 20 mil reais de encomendas ao mês passou a receber duzentos reais de pedidos.
“Não tinha mais dinheiro para comprar material”, conta. Além da queda nos pedidos, Beth ficou sem a divulgação do seu trabalho que era feita através da participação em feiras por todo o País. “Todas as feiras foram canceladas no ano passado”, diz. Aos 63 anos de idade e uma longa trajetória como ceramista, ela acredita que o próximo ano será melhor. “Se Deus quiser”.
Quem trabalha com tecnologia ligada ao entretenimento também sofreu um baque na pandemia – e ainda está sofrendo. O técnico de led, Hallan Gonçalves Teodoro, 26 anos, se viu da noite para o dia sem trabalho e sem nenhuma fonte de renda. “Todos os eventos e shows foram cancelados”, conta.
Com a premiação pelo trabalho intitulado “Led in backstage”, que ensina algumas técnicas deste trabalho dos bastidores, ele diz que conseguiu ao menos respirar. Em sua opinião, este é o tipo do trabalho que é pouco valorizado pelas pessoas. “Quando você vê o palco não imagina o trabalho que há nos bastidores”, explica.
O dinheiro da premiação também foi usado para pagar a equipe composta por oito pessoas. “Todos temos família e dependentes”, explica Allan, que tem esposa e uma filha de um ano e oito meses. O recurso também foi investido no aluguel de equipamentos e filmagens das aulas.
Conhecimentos serão repassados a futuras gerações
A maioria dos artistas que vivem do trabalho e tem família para sustentar, está passando por apertos ao longo desta Pandemia, que já dura 10 meses. Renda familiar em queda, altos custos e a desvalorização do dinheiro, entre outras coisas, afetaram a vida do fotógrafo e professor de áudio visual Leandro Benites, um dos premiados no edital.
Em sua opinião, qualquer ação que valorize o artista não apenas com aplausos ou elogios, mas com valores, é muito bem-vindo, principalmente em tempos como os atuais. O projeto que possibilitou sua inclusão em um dos prêmios é composto de fotografias de alta qualidade e sofisticação.
A arte, segundo Benites, de 38 anos, tem valor significativo. E a boa fotografia leva em conta detalhes como estar no lugar certo, na hora certa e o olhar atento para captar. Ele também ficou em segundo lugar (chamado de suplente) na categoria Janela dos Saberes, com um artigo sobre a importância das manifestações populares na educação.
Fonte:Theresa Hilcar, Subcom