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“Sociedade tem o direito de se indignar”, diz Comando da PM

Mulher denunciou oficial da PM à Corregedoria

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“Admitimos que são imagens que abalam a sociedade que tem todo o direito e obrigação de se indignar com cenas fortes dessa natureza, o que podemos dizer é que a Polícia Militar fará uma investigação isenta e rigorosa sobre os fatos”, a fala é do tenente-coronel Cleder Pereira da Silva, chefe da Comunicação Social da PMMS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul), sobre as imagens estarrecedoras de uma mulher de 44 anos que aparece algemada, sendo agredida a tapas, chutes e socos pelo 2º tenente André Luiz Leonel, dentro do Batalhão da PM, em Bonito.

As agressões ocorreram no dia 26 de setembro, mas só no último domingo, 22 de novembro, vieram à tona, depois que houve o vazamento das imagens das câmeras de segurança que foram parar na internet.

“A PM tomou conhecimento dos fatos, infelizmente, através da imprensa. E digo, infelizmente, porque um fato grave desse acontecendo dentro do batalhão deveria ter sido imediatamente reportado ao comando”, afirma o tenente-coronel, porta-voz da corporação, em entrevista nesta segunda-feira (23), quando esclareceu que também será apurado a razão da denúncia não ter sido feita antes.

Na manhã desta segunda (23), a vítima que é de Corumbá (MS), foi a Campo Grande e procurou Corregedoria da PM/MS para fazer a denúncia contra o tenente.

Ainda durante a manhã, o governador do Estado de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, determinou o afastamento imediato dos policiais militares envolvidos no caso.

Em nota oficial, o governador afirmou que, “ainda que tenha havido ocorrência de desacato e agressões aos policiais, são inadmissíveis a violência extrema e a conduta empregada na ação policial nestes casos, que já estão sob rigorosa investigação, em Inquérito Policial Militar – IPM”.

Conduta repreendida pela Polícia Militar, segundo o tenente-coronel, e que não está relacionada a falta de preparo dos policiais. O Comando Geral, acredita que se trata de uma situação isolada.

“Toda pessoa que entra na Polícia Militar, passa por um concurso público e um curso de formação. Não podemos dizer que o tenente não tem um preparo técnico e conhecimento técnico de como proceder naquele tipo de ocorrência. Acreditamos que foi um fato isolado”, justifica Cleder.

“Apanhou calada”
Com medo de ter a identidade divulgada, a mulher de 44 que foi vítima do tenente, sofreu em silêncio por quase dois meses, por acreditar que sua palavra não teria valor, não seria ouvida. Só depois que as imagens falaram por si que ela se sentiu segura para denunciar, com o vídeo como a prova material da violência física e psicológica vivenciada.

A mulher foi a Bonito com as filhas de 17 e 3 anos e o filho de 6 anos. A criança mais nova é autista e sofre de duas síndromes raras. A viagem a passeio foi um presente de aniversário do marido que, inclusive, é cabo da PM e não foi com a esposa porque estava de serviço.

Segundo a vítima, ela passou um sábado, 26 de setembro, maravilhoso ao lado dos filhos, curtindo passeios turísticos. Por volta das 18 horas, a filha mais nova que é autista estava com fome, a mãe foi até um restaurante que fica próximo a pousada onde estavam hospedados.

A confusão começou com o atraso no pedido e ofensas destinadas a criança com autismo. “Eu paguei 100 reais por quatro pratos e a proprietária me disse que em meia hora estaria pronto. Voltei para o hotel, tomei banho, dei banho na bebê e ela chorando de fome. Foi quando eu voltei ao restaurante perguntar se estava pronto e fui recebida com gritos dizendo que não e que a senhora não iria me atender”, conta a mulher.

Como já havia pago, a mulher disse que pediu uma porção de batatas para “enganar” a fome da filha, mas a confusão só piorou. Ela relata que a proprietária do restaurante passou a gritar que não iria atende-la e chamou a menina de “verme da sociedade”.

“Na hora, eu não aguentei ouvir aquilo e fui pra cima dela mesmo. Então, ela me empurrou e eu caí no chão com a bebê”. Assustada, a criança teve um surto, a mãe ficou tomada de raiva pela humilhação e a briga piorou com gritos e empurrões.

A mulher conta que a filha de 17 anos ouviu a discussão, conseguiu apaziguar os ânimos e levar a mãe de volta a pousada, quando o tenente foi até o local. As agressões, já teriam começado logo na abordagem do PM que, de acordo com a vítima, a tirou do quarto pelos cabelos.

Pânico e tortura
A mulher diz que o tenente a levou arrastada pelos cabelos até a viatura ao lado de fora da pousada. Enquanto isso, a dona do restaurante assistia a cena e cobrava os policiais ordenando que ela fosse presa. “Você não vai prender essa vagabunda? E eu respondi, como assim? Vocês não me conhecem. Eu sou mãe de quatro filhos, vim aqui para passear. E o tenente me mandou calar a boca”.

Enquanto era detida, a vítima diz que a proprietária do restaurante intimidou os policiais. “A senhora do restaurante indagou novamente, você não vai prender ela? Quer dizer que quando você vem comer de graça no meu restaurante com toda a sua guarnição eu não falo nada”, continua, descrevendo a situação.

Conforme a mulher, durante todo o trajeto da pousada até o batalhão, ela foi xingada de *p e vagabunda* pelo policial que dizia que ela tinha ido até Bonito fazer programa com a filha mais velha.

“Eu só queria dizer para ele (tenente) que minha filha é especial e estava com fome, mas a senhora do restaurante se negou a nos atender e ofendeu minha filha. Mas ele não me deixava falar, só me mandava calar a boca e me xingava. De tudo que eu vivi, os tapas e socos, nada me machucou mais do que a comerciante ter me dito aquilo sobre minha bebê”.

Para ameaçar a mulher que já estava bastante nervosa e apavorada com a situação, o tenente teria dito que iria mandar os filhos dela para o Conselho Tutelar e eles ficariam sozinhos. Neste momento, a mulher está algemada e, no vídeo, aparece sentada no batalhão, enquanto o esposo da dona do restaurante é atendido em pé, no balcão.

“Entrei em desespero, levantei e disse que meus filhos não iriam para o Conselho Tutelar porque minha filha não aguentaria isso. Aí, ele (tenente) falou cala boca sua *p e veio me empurrar, dar os tapas. Foi aquela sessão de tortura horrível. Foram vários tapas e socos, eu fiquei toda machucada”.

Nas imagens, o outro PM que presencia a cena bizarra segura a mulher na cadeira. As agressões só param quando uma policial que está do lado de fora percebe e segura o tenente.

Ausência do direito
Em seguida, a mulher foi levada a Delegacia de Polícia Civil de Bonito, onde afirma que continuou a ter seu direito cerceado.

“Chegando na delegacia foi outra tortura. Eu perguntei ao escrivão se podia falar, explicar que não era para eu estar ali, mas ele não deixou. Disse que só cumpria ordens e eu não poderia falar nada”. A mulher explica que pediu também para ligar para o marido e não teve permissão.

Ela passou uma noite detida por desacato, danos ao patrimônio, ameaça, resistência à prisão. Segundo a mãe, foi a filha mais velha que, do Conselho Tutelar, ligou para o pai avisando que ela estava presa.

A mulher nega que estava embriagada e diz que só se exaltou porque a proprietária do restaurante ofendeu sua filha e os policiais foram agressivos. Porém, afirma que não ameaçou colocar fogo ou danificar qualquer coisa.

“Me sinto o pior ser humano da face da Terra por ter passado por aquela loucura, vendo minha filha surtar e eu sendo presa”.

Diante da repercussão das imagens, a mulher se sente mais segura para lutar e espera que a justiça seja feita, apesar das marcas psicológicas deixadas pelo episódio de terror.

“Hoje eu quero que a justiça seja feita, só isso. Espero ter forças porque minha luta não é só essa. Tenho uma criança especial, assim como estou passando por isso, tantas mães passam também ao ver o filho surtar, as pessoas olharem. Falta respeito e empatia porque não é fácil”, desabafa a mulher que perdeu o chão e parte da lucidez para defender os filhos.

Esclarecimento
Diferente da versão da vítima, a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul divulgou uma nota onde afirma que o delegado de plantão autuou a mulher em flagrante e comunicou sua prisão, imediatamente, ao seu marido e que na delegacia foi conferido a ela uma sala separada e adequada para que pudesse amamentar sua filha de 3 anos.

A Polícia Civil informou ainda que não tinha ciência de que a mulher havia sido agredida por policiais militares e, durante interrogatório, que é também um ato de defesa de pessoas presas em flagrante, a mulher manifestou o desejo de permanecer em silêncio em todos os questionamentos, não trazendo à tona as informações acerca das agressões sofridas.

Fonte: DD    Foto: Luciano Muta

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