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Agricultores familiares usam a internet para manter a atividade na pandemia

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Quem tem uma alimentação saudável, com certeza tem produto da agricultura familiar na mesa. É que ela é responsável por dois terços da produção de frutas, verduras e legumes da horticultura no Brasil.

Somente nos cultivos de morango e pepino, por exemplo, os agricultores familiares participam em 80%. E na produção de alface, batata-doce, pimentão e couve, em mais de 60%.

Nas lavouras de ciclo longo, lideram o cultivo da uva e do maracujá e, nas temporárias, os destaques ficam com a mandioca e o abacaxi.

Atualmente, os agricultores familiares representam 67% dos 15 milhões de produtores rurais do país e ocupam 77% das fazendas brasileiras. Apesar disso, participam em apenas um quarto de toda a produção agropecuária nacional, segundo o último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Seus ramos e identidades são diversos: além da pecuária e da agricultura, atuam como extrativistas e pescadores, e muitos são assentados da reforma agrária ou vivem em comunidades indígenas e quilombolas.

A terra onde plantam é, ao mesmo tempo, a sua moradia e a principal fonte de renda e de alimentação.

Vendas durante a pandemia
As feiras livres são o principal canal de venda da agricultura familiar, mas muitas foram interrompidas ou tiveram redução de feirantes e de consumidores durante a pandemia do coronavírus.

E, mesmo com a reabertura delas em muitos pontos do país, tem agricultor que prefere continuar em casa com receio de contaminação, utilizando as estratégias de venda implementadas após a chegada da Covid-19.

É o caso da agricultora familiar de Macapá (AP), Marlene Conceição de Jesus, que trabalha junto com o esposo e o filho.

Com a paralisação das feiras, de onde vinha toda a renda familiar, eles começaram a fazer entregas nas casas dos clientes, montaram uma tenda na frente de casa para expor os produtos e passaram a divulgar os alimentos da horta no WhatsApp e em uma página no Facebook. Na propriedade, eles plantam maracujá, laranja, mamão, feijão verde, alface, pepino, entre outros.

“Antes eu nem me ligava em redes sociais. Mas foi uma forma de continuar. É meu filho quem me ajuda agora com a internet. Tudo que é de redes sociais, ele que faz”, diz Marlene.
O coordenador de inovação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Matheus Ferreira, conta que a nova geração das famílias de agricultores tem tido um papel importante na inserção de novas tecnologias no campo. “Muitos produtores ainda são resistentes e avessos ao comércio digital”, diz.

Por outro lado, uma pesquisa da Embrapa apontou que 61,4% dos trabalhadores rurais indicam que a falta de infraestrutura de conectividade no campo é um entrave para a digitalização do setor.

Segundo o IBGE, mais de 70% dos 5 milhões de estabelecimentos rurais do Brasil ainda não possuem acesso à internet.

Aumento da produção
Se muitos tiveram perdas durante a pandemia, teve também quem precisou aumentar a produção para conseguir atender a expansão da demanda local.

Foi o caso da família do Michael Douglas dos Santos, de Palmeiras de Goiás (GO). Uma boa parte dos alimentos consumidos no município vinha de cidades vizinhas, mas, com a pandemia, muitos produtores deixaram de ir para as feiras de Palmeiras, com medo não vender ou de se contaminar.

Como a chácara da família de Michael fica dentro da cidade, o número de clientes cresceu. E, para dar conta da demanda, ele, sua esposa e o seu cunhado expandiram em 30% o plantio de alface e aproveitaram a oportunidade para divulgar melhor os produtos nas redes sociais.

“Quem não é visto não é lembrado”, diz Michael. Eles criaram uma página no Instagram onde divulgam o dia a dia da horta e aumentaram a divulgação pelo Whatsapp.

Diminuição na renda
Apesar da diversificação das estratégias de venda, muitos agricultores não conseguiram recuperar os seus ganhos. A renda da família da Marlene, por exemplo, ainda é 30% menor do que antes da pandemia.

O mesmo aconteceu com a agricultora alagoana da cidade de Delmiro Gouveia, Erivânia Martins Limas. Depois da pandemia, a renda da sua família caiu 40% sem as feiras, mesmo com as vendas que ela e o seu companheiro começaram a fazer pelo WhatsApp e com as entregas nas casas dos clientes.

Na propriedade de Erivânia, que fica em um assentamento rural, ela planta milho-verde, coentro, alface, couve, cebolinha, pimentão, batata-doce, entre outros.

Em junho, metade dos agricultores familiares perdeu, em média, um terço da renda, segundo um estudo feito pelo professor Mauro DelGrossi, da Universidade de Brasília (UNB), com base em uma pesquisa do IBGE sobre impactos da Covid-19.

Em alguns estados, como no Amazonas (44%) e no Amapá (43%), a redução dos ganhos foi quase pela metade.

Alimentação garantida

Apesar do menor rendimento, Erivânia faz parte dos 36% do total de agricultores familiares que conseguiu receber o Auxílio Emergencial, o que tem ajudado a família a pagar as contas. “Já com a nossa alimentação, está tudo bem, graças a Deus. Comemos o que tem na roça”, diz ela.

E quando falta algum alimento que ela não plantou, ela pega com o vizinhos. “Somos uma comunidade muito unida”.

Essa capacidade de assegurar a própria alimentação é um dos diferenciais dos agricultores familiares em relação a muitos trabalhadores dos centros urbanos, comenta o professor Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Eduardo Magalhães.

“Se você comparar um agricultor familiar com um trabalhador urbano com o mesmo grau de escolaridade, você vai perceber que, em geral, os agricultores têm mais condições de se protegerem (em momentos de crise)”, diz.

Eles têm uma capacidade enorme de auto-abastecimento alimentar, pois a sua produção é altamente diversificada e há muita troca de alimentos entre produtores vizinhos. É claro que existe pobreza no campo, mas a agricultura familiar tem uma retaguarda extremamente sólida”.
Desemprego e política pública
O maior acesso dos agricultores familiares a alimentos não exclui, porém, a necessidade do fortalecimento de políticas e programas públicos, diz o agrônomo Denis Monteiro, secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Além da diminuição da renda, em junho, 1,1 milhão de agricultores familiares procuravam emprego ou queriam trabalhar, com destaque para os estados da Bahia (176 mil), Pará (106 mil) e Minas Gerais (101 mil), segundo o levantamento de DelGrossi. Para ele, isso tem ocorrido devido à diminuição da produção em uma boa parte das fazendas dessas famílias.

Para reduzir os impactos da crise provocada pela pandemia, uma das ações defendidas pela ANA é a extensão do auxílio emergencial para agricultores familiares que ainda não receberam o benefício. A medida é prevista em um projeto de lei já aprovado pela Câmara e pelo Senado Federal e, agora, aguarda sanção presidencial.

 

Fonte:G1

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