O Peixe que nada 43km em 24 Horas e outras curiosidades da piracema

Todos os anos, quando as primeiras chuvas de verão tocam a superfície dos rios brasileiros, um chamado ancestral ecoa nas profundezas.

É o início da Piracema, a “subida do peixe” em tupi, mas para quem testemunha o fenômeno, é muito mais do que uma migração: é uma épica e desesperada corrida pela vida, uma batalha contra a correnteza, a exaustão e, cada vez mais, contra as barreiras impostas pelo homem.

Esta não é apenas uma história de biologia; é um conto de heroísmo, sacrifício e o eterno conflito entre a natureza e o progresso.

O herói da jornada: uma maratona contra o tempo
Imagine correr uma maratona inteira, 42 quilômetros, e ter que repeti-la no dia seguinte, e no outro, tudo isso carregando o peso da sobrevivência de sua espécie. É essa a saga do Curimbatá, o verdadeiro herói da Piracema.

Impulsionado por um instinto que a ciência mal consegue decifrar, este peixe é capaz de nadar até 43 quilômetros em apenas 24 horas. Não é um passeio; é um esforço brutal, rio acima, contra a força da água. O objetivo? Chegar às cabeceiras, as águas cristalinas onde a desova pode garantir o futuro.

“Nadar contra a correnteza não é um capricho. É um mecanismo de sobrevivência. O esforço físico é o que amadurece as gônadas, preparando o peixe para o ato final de sua vida: a reprodução.”

A jornada é tão intensa que o corpo do peixe se transforma em uma máquina de resistência, guiada por um GPS biológico ativado pelo aumento da temperatura e pela subida do nível dos rios. A natureza não permite erros; o tempo é curto e o destino é implacável.

O sacrifício final: a exaustão e o fim do ciclo

A Piracema é um ato de amor e sacrifício. Para muitos peixes, a desova é o último ato.

Após liberar milhões de ovos, o corpo, esgotado pela maratona e pela reprodução, entra em colapso. Não é raro encontrar peixes que sucumbiram à exaustão extrema. É o preço da vida: o indivíduo se sacrifica para que a espécie persista.

Este ciclo de vida e morte é o que sustenta o ecossistema. Os corpos exaustos se tornam alimento, fechando o círculo da natureza e garantindo que a energia investida na subida retorne ao rio.

O conflito: o monstro de concreto no caminho

O maior drama da Piracema moderna é o conflito com a civilização.

As grandes barragens, símbolos do progresso e da energia, tornaram-se muros intransponíveis no caminho da vida. Elas interrompem a rota ancestral, condenando cardumes inteiros que não conseguem alcançar seus locais de desova.

A resposta humana a essa tragédia são os controversos “elevadores de peixes” ou “escadas de peixes”. Estruturas complexas, criadas para tentar enganar o instinto do peixe e levá-lo para o outro lado do concreto. No entanto, a eficácia dessas soluções é debatida: muitos biólogos alertam que a interrupção da rota natural compromete a qualidade da reprodução e a diversidade genética das espécies.

O impacto humano: a lei que protege o futuro

O drama da Piracema se estende à beira do rio, onde o pescador tradicional se depara com a lei do Defeso.

O Defeso é a trégua que o homem dá à natureza. É o período em que a pesca é proibida, não por punição, mas por necessidade. Durante a migração, os peixes estão vulneráveis, focados unicamente na reprodução. Pescar nesse momento seria um golpe fatal no futuro dos rios.

A lei protege o peixe, mas também protege o pescador. Ao garantir que a próxima geração nasça e cresça, o Defeso assegura que haverá peixes para as futuras temporadas de pesca, promovendo a sustentabilidade das comunidades ribeirinhas.

A Piracema é, em última análise, um lembrete poderoso: a vida nos rios é uma luta constante, e a sobrevivência de um ecossistema inteiro depende da nossa capacidade de respeitar a maratona silenciosa que acontece todos os anos.

Fonte:Correio do Estado

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