EconomiaNotícias

Recuperações judiciais disparam no agro e acendem alerta em MS

Compartilhar:

O número de empresas em recuperação judicial disparou em Mato Grosso do Sul. Conforme levantamento do Monitor de Recuperações Judiciais da RGF Associados, no primeiro trimestre deste ano, 44 empresas recorreram à recuperação judicial (RJ). No mesmo período do ano passado, o número de empresas que apelaram ao Judiciário era de 28 – alta de 57% em um ano.

Ainda de acordo com o monitor da RGF, a maior parte dos pedidos vem do agronegócio. Somente o segmento de cultivo de soja responde por sete casos. A lista inclui ainda transporte de cargas (5), criação de bovinos para corte (3), comércio atacadista de medicamentos (3), laticínios (2), supermercados (2), açougue (1), frigorífico (1) e outros setores ligados direta ou indiretamente à cadeia produtiva rural.

O cenário sul-mato-grossense segue tendência nacional. Dados da Serasa Experian, divulgados no mês passado, mostram que o número de pedidos de recuperação judicial no setor agropecuário passou de 534 em 2023 para 1.272 em 2024 – crescimento de 138%. Em Mato Grosso do Sul, somando pessoas físicas e jurídicas, foram 92 pedidos ao longo do ano passado.

Para o advogado Leandro Provenzano, integrante da Comissão de Direito do Agronegócio da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul (OAB-MS), a crise é reflexo de uma soma de fatores econômicos, climáticos e estruturais.

“Houve quebras de safra importantes no Estado, principalmente na região sul, por conta da seca, mas o problema vai além disso. O produtor brasileiro tem custo elevado porque a maioria dos insumos é importada e cotada em dólar. Só a semente tem produção local, o restante – fertilizantes, defensivos, corretivos de solo – vem de fora, até da Ucrânia. Isso encarece a produção e reduz a competitividade”, explicou.

Segundo Provenzano, a ausência de cobertura securitária para perdas agrícolas amplia o problema.

“A maioria dos produtores está desprotegida. O seguro rural poderia minimizar os impactos das quebras de safra, mas é pouco acessível. Com a redução dos subsídios do governo federal, restou apenas a contratação via seguradoras privadas, o que encarece e afasta o produtor”, pontuou.

Ele destaca que existem modalidades de seguro que garantem não só o pagamento de financiamentos em caso de frustração da produção, como também a diferença entre a produtividade esperada e a real. Há ainda seguro contra oscilação de preço das commodities.

“Na pandemia, a soja chegou a R$ 200 a saca. Hoje está em torno de R$ 140. Quem não se protegeu, perdeu muito. É uma questão cultural. A maioria dos brasileiros não tem nem seguro de vida. No campo, só contrata quem é obrigado pelo banco”, completou.

EFEITO DOMINÓ

A recuperação judicial, prevista na Lei nº 11.101/2005, tem sido a saída de muitos empresários para reorganizar dívidas e tentar evitar a falência. No entanto, o aumento dos pedidos preocupa bancos, cooperativas e fornecedores, que veem risco de inadimplência e interrupção das cadeias produtivas.

Entre os setores que entraram com pedidos neste início de ano também estão fabricação de álcool (1), serviços de preparação de terreno (1), comércio atacadista de cereais e leguminosas (2), fabricação de adubos e fertilizantes (1), além de diversos ramos do varejo, como materiais de construção, alimentos e autopeças.

Provenzano alerta que o problema afeta desde grandes grupos até pequenos produtores. “A estrutura de custo e financiamento do agronegócio brasileiro está exposta. Sem um modelo robusto de seguro e com baixa previsibilidade climática e cambial, o produtor fica refém da sorte”, disse.

Embora a recuperação judicial seja um mecanismo legítimo de reorganização financeira, ela vem sendo alvo de críticas. Durante a 30ª edição da Agrishow, um dos maiores eventos do setor, o diretor de Agronegócio do Santander, Carlos Aguiar, chamou atenção para o avanço preocupante desse movimento. Ele apontou que produtores estão sendo “seduzidos por promessas ilusórias de recuperação financeira”.

“Estamos enfrentando uma verdadeira indústria da recuperação judicial no campo, que enriquece advogados enquanto empobrece o produtor. Hoje, há mais gente oferecendo esse tipo de ‘saída’ do que agentes bancários dispostos a viabilizar crédito saudável”, destacou.

Outro ponto levantado por Aguiar, conforme reportagem do portal Compre Rural, foi o alto custo envolvido em um processo de recuperação judicial, que pode girar entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões.

“Como esperar que uma empresa em crise consiga arcar com esse valor e ainda tenha fôlego para se recuperar financeiramente”, questionou Aguiar.

Para Provenzano, a crítica não condiz com a realidade do campo em MS.

“A maioria dos pedidos que acompanhamos é de produtores que realmente tentaram resistir até o fim. Só buscam a Justiça quando já estão com problemas graves. Não é uma manobra, é sobrevivência”, afirmou.

Para conter o avanço da crise, especialistas apontam caminhos: ampliação dos subsídios ao seguro rural, fomento à irrigação e acesso mais facilitado ao crédito. O Programa Irriga do governo federal, por exemplo, busca ampliar a irrigação nas lavouras brasileiras para reduzir os impactos climáticos.

“A médio prazo, o seguro rural bem estruturado é o que mais pode ajudar. Ele daria segurança para o produtor planejar e tomar crédito com tranquilidade”, conclui Provenzano.

Fonte:Correiodoestado

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo