Após a vitória de novembro contra a democrata Kamala Harris, tanto no colégio eleitoral quanto no voto popular, Trump retorna ao poder fortalecido, com o comando das duas casas do Congresso, uma maioria conservadora na Suprema Corte e uma agenda na qual propõe tolerância zero com a imigração ilegal, guerra comercial com outros países e o combate ao que chama do “politicamente correto” em nome da liberdade de expressão.
A ressurreição política do magnata republicano vem acompanhada de duas tendências. A primeira, e mais esperada, é que seu entorno está mais leal e menos propenso a tentar moderar os impulsos de seu ego. A segunda, esta uma novidade em relação ao primeiro mandato, é que a agenda política do presidente está sendo replicada pela América corporativa.

“Ele não tinha nem de longe a mesma legitimidade que tem agora. Esta eleição foi muito mais clara. Ele saiu mais forte e tem pessoas muito mais experientes ao seu redor. Isso significa que as expectativas são maiores”, disse Berverly Gage, historiadora da Universidade de Yale ao Washington Post. “ A questão é se estamos diante de um governo de alta ambição ideológica e política ou de uma gestão marcada por queixas mesquinhas e testes de lealdade.”
Uma coalizão com os ultra-ricos
Com amplo domínio sobre o Partido Republicano, Trump forjou para o segundo mandato uma coalizão com as principais empresas do Vale do Silício. Historicamente ligadas aos democratas, companhias como Meta, Google, Open AI e outras cortejam o republicano, que durante a campanha sedimentou uma aliança com outro magnata: Elon Musk, o dono da Tesla e do X, o antigo Twitter, e com uma fortuna estimada em US$ 434 bilhões.
“As novas diretrizes da Meta e o simples alinhamento do Elon Musk ao Trump já mostram que essas plataformas oferecerão um espaço maior para narrativas que favorecem o presidente”, diz Lucas de Souza Martins, historiador da Temple University nos Estados Unidos.
‘Uma energia mais masculina’
Até aqui, o maior impacto dessa aliança entre o Vale do Silício e a Nova Casa Branca foi a decisão do dono da Meta, Mark Zuckerberg, de encerrar o programa de checagem de notícias do Facebook e no Instagram. “As últimas eleições foram um ponto de mudança na direção de priorizar a liberdade de expressão”, resumiu Zuckerberg em um comunicado em vídeo publicado este mês. “Então vamos voltar às nossas raízes e nos concentrar em reduzir erros, simplificar nossas políticas e restaurar a liberdade de expressão em nossas plataformas.”
O fim do programa de checagem por agências jornalísticas não foi a única medida da Meta que indicou uma aproximação com Trump. A empresa também adotou um modelo similar ao do X, de Elon Musk, de notas da comunidade, para moderar seu conteúdo. Zuckerberg também já tinha doado em dezembro US$ 1 milhão para a cerimônia de posse do republicano.
Recentemente, ele também convidou o dono do UFC Dana White, outro aliado do presidente eleito, para assumir uma posição na diretoria da empresa, trocou o cargo do chefe de diversidade da Meta e acabou com os programas de Diversidade, Igualdade e Inclusão (DEI, na sigla em inglês), que priorizavam contratações e benefícios para minorias.
O ato final da “trumpização” de Zuckerberg foi sua entrevista ao podcast do apresentador Joe Rogan, outro nome próximo de Trump durante a campanha, no qual ele criticou a ascensão de empresas “culturalmente castradas”.
Com os cabelos mais longos, uma camiseta preta folgada e uma corrente dourada no pescoço, Zuckerberg disse que empresas nos EUA precisam de uma energia mais masculina. “Um pouco de energia mais masculina é bom, sabe. As empresas tentaram se afastar disso, mas acho que termos uma cultura que celebra a agressão um pouco mais tem seus méritos”, disse.
Doações em série
Zuckerberg não é o único líder do Vale do Silício a se aproximar da agenda trumpista. Ainda na campanha, o fundador da Amazon, Jeff Bezos, impediu o Washington Post, do qual é dono, de endossar a democrata Kamala Harris na eleição. Ele também doou US$ 1 milhão para posse, e assim como Zuckerberg e outros, esteve em Mar-a-lago para um jantar com Trump. A Amazon também fechou um acordo de US$ 40 milhões para produzir um documentário sobre a primeira-dama Melania Trump.
Tim Cook, da Apple, Sundar Pichai, do Google, e Sam Altman, da Open AI, também jantaram recentemente com Trump em Mar-a-Lago. Junto com Musk, Zuckerberg e Bezos, eles devem também prestigiá-lo na posse, além de ter doado dinheiro para a festa. Além dessas cinco empresas, entre os nomes do Vale do Silício que deram dinheiro para a cerimônia, estão ainda Microsoft e Uber, todos com doações de US$ 1 milhão.
No sábado, a maioria dos pesos pesados da tecnologia e a cúpula do trumpismo esteve reunida em uma festa dada em Washington em homenagem ao presidente eleito, promovida por Peter Thiel, fundador do PayPal e apoiador de Trump desde 2016.
Thiel é conhecido tanto pelas festas de arromba que costuma dar quanto pelo seu conservadorismo. Ele doou US$ 15 milhões para a campanha do vice-presidente eleito J.D. Vance ao Senado em 2022, e apoiou outros nomes republicanos hoje lealmente aliados a Trump, como o presidente da Câmara, Mike Johnson.
Além da influência política, por trás dessa aliança, dizem analistas, estão os interesses das big techs na regulação da inteligência artificial. ” A aliança política entre Trump e as big techs tem a ver com desregulamentação e com não submeter as possibilidades da IA à institucionalidade americana”, explica Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM, que faz um paralelo com outro momento da história americana.
“Se a gente voltar mais de 100 anos para trás, quando avanço das ferrovias formou os barões do século 19, houve uma regulação estatal que limitou o espírito voraz dos empresários da época. Desta vez, o Vale do Silício conseguiu essa promessa inédita, que é promissora para o empresário e preocupante para a realidade institucional americana”, acrescenta.
Outras empresas de fora do Vale do Silício também tem abandonado programas de diversidade. A tendência começou depois de a Suprema Corte americana, de maioria conservadora, derrubar a lei que permitia ação afirmativa nas universidades, ainda em 2023. Empresas não são obrigadas por lei a contratar por regime de cotas, mas, com a decisão, algumas se sentiram sem uma certa pressão política de implementá-las.
Foi o caso, segundo o jornal Financial Times, da Ford e da Harley Davidson. Com a eleição de Trump, essa pressão se tornou praticamente nula e o movimento cresceu. McDonald’s e Walmart, gigantes do setor de varejo e alimento, seguiram a mesma linha.
Em Wall Street, ainda de acordo com o Financial Times, esse movimento ocorreu na área de mudança climática. Com a vitória de Trump, um cético do impacto do aquecimento global no planeta, muitas empresas abandonaram os programas de sustentabilidade.
Amigos até quando?
Em seu pronunciamento de despedida do cargo, o presidente Joe Biden alertou para a ascensão de uma oligarquia de ultra-ricos nos Estados Unidos.
“Hoje, uma oligarquia está tomando forma na América de extrema riqueza, poder e influência que literalmente ameaça toda a nossa democracia, nossos direitos e liberdades básicos, e uma chance justa para todos progredirem”, disse Biden. “Temos de prestar atenção numa perigosa concentração de poder nas mãos de algumas pessoas ultra-ricas. Consequências perigosas se seu abuso de poder não for controlado.”
“Uma questão importante é como a visão das big techs vai se combinar com o movimento populista liderado pelo Trump. A gente viu isso aqui recentemente nos EUA na questão do visto de trabalho para estrangeiros, que foi defendida pelo Musk, com o Steve Bannon a criticando”, explica o cientista político Carlos Gustavo Poggio, professor do Berea College nos Estados Unidos. “Vai haver uma tensão doméstica que vai ser interessante observar. Vamos ver se o Trump e o Musk continuarão amigos em dezembro de 2026.”
Fonte: Estadão