O tatu-canastra (Priodontes maximus) é a maior de todas as espécies de tatus existentes no Brasil e na América Latina (aqui, em menor incidência). Até o início deste mês, acreditava-se que seu tamanho podia chegar a um metro e meio de comprimento (do focinho à cauda) e peso de mais de 50 quilos.
Mas pesquisadores do Projeto Tatu-Canastra, do ICAS – Instituto de Conservação de Animais Silvestres, fizeram uma descoberta que atualiza as informações sobre seu tamanho, na Fazenda Baía das Pedras, em Aquidauana, no Mato Grosso do Sul.
Liderada por Gabriel Massocatto, biólogo e coordenador do projeto no Pantanal (escrevi sobre ele quando ganhou um dos mais importantes prêmios internacionais de conservação, em 2022), e pela médica-veterinária Carolina Lobo (que está desenvolvendo estudo com foco na reprodução de fêmeas de tatu-canastra e tamanduá-bandeira em vida livre), a equipe encontrou – e capturou para exames – o maior macho da espécie já registrado em 14 anos de trabalho do ICAS nesse bioma.
Além de Gabriel e de Carolina, estiveram em campo: Mayara Caiaffa, médica-veterinária do ICAS; Karolina Araya Sandoval, médica-veterinária no Chile; a bióloga Daniela Sifuentes; e a trainee Luísa Barbieri, estudante de jornalismo, que registrou a foto abaixo.
“Wolfgang é o 44º indivíduo capturado em nossa área de campo no Pantanal da Nhecolândia desde 2010, número significativo considerando a raridade natural do tatu gigante, que tem uma baixa densidade populacional, com aproximadamente 7 a 8 indivíduos por 100 km2″, explica a equipe no Instagram do projeto.
A captura foi efetivada para a realização de exames, entre eles a coleta de sêmen, medida essencial para aprofundar o conhecimento sobre a reprodução de machos de tatu-canastra em vida livre e compreender a baixa densidade populacional. Também foi instalado colar com rádio transmissor VHF para que seja possível monitorar o animal nos próximos meses.
Para tanto, Carolina aplicou novas técnicas e protocolos de eletroejaculação, inovando nos métodos de estudo reprodutivo da espécie. “O principal objetivo do estudo é entender melhor como funcionam a biologia e a fisiologia reprodutiva do tatu-canastra e do tamanduá-bandeira em vida livre”, explica ela, que também é mestranda pela UNESP de Botucatu.
Este estudo faz parte das ações do Plano de Ação Nacional para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (PAN), do ICMBIO, e conta com o apoio da Rufford Foundation, sediada no Reino Unido, que financia projetos de conservação da natureza por organizações de pequeno ou médio porte em países em desenvolvimento.
Veja, a seguir, detalhes do corpo de Wolfgang e suas proporções.
Criopreservação e germoplasma animal
Atualmente, a pesquisa empreendida pelo Projeto Tatu-Canastra está focada na análise da qualidade do sêmen e da morfologia espermática. O objetivo é viabilizar, no futuro, a criopreservação desse material em um banco de germoplasma animal.
Carolina quer compreender se há perda de qualidade espermática em indivíduos mais velhos, o que poderia indicar diminuição da eficiência reprodutiva — dados essenciais para a conservação dessas espécies.
Devido à presença de tamanduás-bandeira em zoológicos, há muitas informações disponíveis sobre a reprodução desse animal. No caso do tatu-canastra o conhecimento nessa área é bastante limitado porque, além de raro, não há indivíduos da espécie em cativeiro, o que torna as descobertas recentes ainda mais valiosas.
Esforços de conservação
Em 2012, o ICAS registrou o primeiro filhote de tatu-canastra em vida livre. Oito anos depois, estudo liderado pela pesquisadora associada Camila Luba identificou que os machos atingem a maturidade sexual em seu habitat natural por volta dos oito anos de idade. Tais informações foram e são cruciais para ampliar e fortalecer os esforços de conservação.
Agora, Carolina aplica técnicas reprodutivas já conhecidas em animais domésticos para monitorar o ciclo reprodutivo de espécies ameaçadas de extinção, como o tatu-canastra e o tamanduá-bandeira (espécies às quais o ICAS se dedica).
“A validação dessas técnicas para monitoramento da reprodução em vida livre pode contribuir significativamente para a conservação desses dois gigantes da nossa fauna”, destaca a médica veterinária.
Muito além do tatu-canastra
A partir desta captura histórica e o avanço nos estudos reprodutivos – que devem se estender por mais um ano, aproximadamente -, o Projeto Tatu-Canastra amplia o conhecimento científico sobre essa espécie rara e classificada como vulnerável na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção da IUCN – União Internacional para Conservação da Natureza.
Tais esforços são essenciais para fortalecer as ações de conservação e garantir a proteção da biodiversidade: sim, não apenas do tatu-canastra, mas também de diversas outras espécies que dependem direta e indiretamente de sua sobrevivência.
O “engenheiro do ecossistema”, como também é conhecido, desempenha papel fundamental para o equilíbrio da natureza já que, com suas grandes garras em forma de foice, cava buracos ou túneis enormes (que podem ter cinco metros de comprimento, mais de 40 cm de largura e 30 cm de altura), formando tocas (em apenas 20 minutos) para se abrigar e se alimentar de insetos, como cupins e formigas.
Essas tocas também servem como refúgio e/ou abrigo térmico para mais de 100 espécies de vertebrados como roedores, carnívoros, répteis e até aves, como a seriema. E isso deve acontecer cada vez com mais frequência devido à crise climática, porque as tocas mantêm temperatura constante de 25 graus.
Este mês, por exemplo, uma onça-pintada foi flagrada usando a toca de um tatu-canastra para fugir do calor no Cerrado, como contamos aqui.
Os bichos também são atraídos para a toca do tatu-canastra em busca de comida já que, quando constrói os túneis, ele quebra raízes e remexe o solo expondo ‘alimentos’ de todos os tipos.
A preservação deste tatu gigante – o canastra – é crucial para garantir o equilíbrio dos ecossistemas que habita, fortalecendo a saúde ambiental e a coexistência de diferentes formas de vida.
Fonte: ConexãoPlaneta