A distribuidora de insumos agrícolas Agrogalaxy, que faturou R$ 9 bilhões no ano passado, pediu recuperação judicial ontem, após deixar de pagar titulares de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) dois dias antes. Para evitar vencimentos antecipados e pressão de outros credores, a companhia decidiu proteger sua dívida em um processo que corre em segredo de Justiça na 19 Vara Cível e Ambiental de Goiânia, onde fica a sede da empresa. Estima-se no mercado que a dívida envolvida na recuperação esteja na casa de ao menos R$ 2 bilhões.
Esse é o primeiro grande pedido de recuperação judicial no agronegócio “fora da porteira” em 2024 e envolve uma empresa que nos últimos anos se financiou com instrumentos novos no mercado de capitais voltados ao agro, e portanto com credores mais pulverizados. Acontece em meio ao ciclo de preços baixos dos grãos e aos impactos do clima adverso no campo, um cenário que provoca atraso na decisão de compra de insumos por parte dos produtores rurais.
O pedido veio à tona em um dia que começou agitado na empresa. Na manhã de quarta-feira, o então presidente, Axel Labourt, renunciou ao cargo, além de seis membros de conselhos de administração. Entre eles, estava Welles Pascoal, que já havia comandado o Agrogalaxy duas vezes.
No lugar de Labourt, assumiu a presidência Eron Martins, que desde agosto do ano passado ocupava o cargo de diretor financeiro e de relações com investidores. Martins é um profissional conhecido no mercado de insumos, com experiência de mais de 28 anos. Antes do Agrogalaxy, foi diretor financeiro na Lavoro. Ele também atuou em empresas como Adama, Agrex e Nadir Figueiredo (2020-2023).
Em nota, Eron Martins afirmou que a empresa “tentou, de todas as formas, evitar recorrer à Justiça, mas a medida é necessária para proteger o negócio”.
Calote
Na segunda-feira (16/9), a companhia deu um calote no pagamento de uma parcela de CRAs emitidos junto à Vert Securitizadora. Com isso, a securitizadora declarou o vencimento antecipado automático de todas as obrigações decorrentes da emissão. Os CRAs foram emitidos em 2022, no valor de R$ 500 milhões, com vencimento em 2027. Os títulos são lastreados em debêntures não conversíveis, que têm como garantia fianças da empresa.
Ontem, antes de anunciar o pedido de recuperação judicial, a empresa havia apresentado uma medida cautelar requerendo 60 dias para renegociar as dívidas.
Crise financeira
Ao fim do segundo trimestre de 2024, a dívida líquida do Agrogalaxy estava em R$ 1,5 bilhão. A alavancagem da empresa, em um ano, saiu de 3,5 vezes para 8,5 vezes. Em agosto, o banco Citi analisou que uma desalavancagem seria desafiadora, destacando que 57,5% da dívida total é de curto prazo.
A capacidade do Agrogalaxy de honrar seus compromissos estava ficando cada vez menor. Além de ter registrado até então um prejuízo acumulado de R$ 726 milhões desde 2016, a companhia enfrentava um aperto de liquidez — o índice de liquidez corrente no fim do último trimestre era de 0,9 (valores abaixo de 1 indicam incapacidade de honrar com todos os passivos).
O cenário de aperto financeiro já se arrastava desde 2023. Apesar disso, os executivos vinham declarando em encontros com investidores e com a imprensa que estavam “otimistas” e que a situação seria enfrentada com planos e estratégias.
Estratégia
A deterioração financeira reflete não só o cenário adverso do mercado, mas também falhas de estratégia. Numa tentativa de crescimento rápido no passado, o Agrogalaxy fez aquisições de revendas e empresas de sementes, por exemplo, acumulando dívidas. No ano passado, quando a dívida começou a sair do controle, a empresa precisou enxugar gastos, demitir funcionários e até fechar algumas das lojas.
No fim do ano passado, o controlador da empresa, o fundo Aqua Capital, decidiu socorrer o Agrogalaxy e anunciou uma primeira injeção de R$ 150 milhões no capital da empresa, seguida de outra de R$ 400 milhões em maio deste ano, em seu fundo de investimento em direitos creditórios (FDIC). Esse aporte foi feito pela fintech TerraMagna. A ideia era reforçar o poder de barganha do Agrogalaxy com fornecedores, mas não deu certo.
Biotrop
Ainda ontem, uma das fornecedoras da empresa, a Biotrop, fabricante de insumos biológicos com sede em Vinhedo (SP), anunciou que desfez a parceria para fornecimento de insumos biológicos para o Agrogalaxy. A distribuidora era a maior cliente da Biotrop. O Aqua Capital já foi também o maior acionista da fabricante de insumos, mas decidiu vender o controle (85% das ações) para a companhia belga Biobest no fim do ano passado.
Ações
O pedido de proteção contra credores na Justiça fez com que as ações do Agrogalaxy na B3 fechassem o pregão em queda de 13,27%, cotadas a R$ 0,98. Nesta quinta-feira (19/09), as ações começaram o dia em queda de mais de 25% e entraram em leilão. Pouco antes disso, aliam R$ 0,78.
A empresa disse que o pedido de recuperação judicial foi uma maneira de manter algumas revendas, o que o mercado desacredita.
Conheça o Agrogalaxy, revendedor de insumos agrícolas
A AgroGalaxy foi fundado em 2016, a partir de uma série de investimentos feitos pelo fundo Aqua Capital em empresas de insumos agrícolas. Na época, o cenário de mercado já indicava uma consolidação do setor. O fundo adquiriu Rural Brasil, Agro100, Sementes Boa Nova, Grão de Ouro e Agro Ferrari. Depois, foram adquiridas Sementes Campeã e Ferrari Zagatto.
Em seu site oficial, a empresa informa ter mais de 30 mil clientes cadastrados, atendendo o equivalente a 8 milhões de hectares de área de cultivo. São 28 silos de armazenamento, que totalizam 515 mil toneladas de capacidade instalada. São 169 pontos de venda distribuídos pelo país.
No segundo trimestre deste ano, a companhia registrou prejuízo líquido ajustado de R$ 362,4 milhões. No mesmo período em 2023, o resultado tinha sido negativo em R$ 257,1 milhões. A receita líquida caiu 42,4% na mesma comparação e somou R$ 1,056 bilhão. Nesse total, a receita com insumos foi a que teve maior queda, de 58%, para R$ 200,9 milhões.
(Colaborou Rafael Walendorff, de Brasília)Fonte:GR