De rosto pintado de branco e desenhos circulares na pele, Ruberval Cunha, de 51 anos, improvisa com a mesma facilidade que respira. O repentista improvisa sobre qualquer tema criando versos que um dia encantaram até Manoel de Barros. Em Bonito, o campo-grandense é uma atração a parte na 8ª Flib (Feira Literária de Bonito) que neste ano tem como tema “Literatura: Fronteiras e Travessias”.
Fronteiras é algo que não existe para a imaginação do homem que criou o próprio estilo dentro da arte. O improviso guaicuru é uma vertente sul-mato-grossense da qual o poeta é precursor. A história dele como repentista é antecedida por outra que passa longe das cores que hoje enfeitam seu rosto durante as apresentações.
Quem vê ele desinibido na Praça da Liberdade não imagina que na adolescência Ruberval escondia o lado escritor. As poesias, segundo ele, permaneciam reclusas no caderno ou iam parar no lixo. “Eu já escrevia desde os oito ou nove anos de idade, mas lá atrás eu tinha aquela concepção de que poesia não era para homem. Então, eu escrevia, rasgava e jogava no lixo”, recorda.
Foi só quando mudou de escola, de uma privada para pública, que o jovem se destacou socialmente e deixou o lado poeta vir a público. Por volta de 1989, Ruberval ganhou o concurso de poesia que seria o primeiro de muitos que viriam.
“Por conta daquele evento eu comecei a assumir o poeta. Eu comecei a fazer cursos de teatro porque queria declamar, mas não queria a declamação clássica. Do teatro comecei a ganhar espaço e a levar as performances para a noite da poesia com a declamação. Eu pintava o rosto, montava a personagem e colocava o material no palco”, comenta.
Repentista – Apesar de pintar o rosto durante essas apresentações, Ruberval não tinha nascido ainda como repentista. Esse caminho foi trilhado com o apoio de outro repentista, o Rachid Salomão. Eles se conheceram no Teatro Aracy Balabanian durante o espetáculo ‘Da Lama ao Glória’. Na ocasião, por engano, alguém apresentou Ruberval como repentista.
“Eu escrevi em um papel uma quadrinha, alguém viu e achou que eu era repentista. Quando o Rachid estava saindo para autografar, passando pelo corredor, seguraram no braço dele apontado na minha direção e falaram: ‘Rachid, você ganhou um filho, o rapaz ali também é repentista”, conta.
Desse encontro surgiu a oportunidade para que os dois apresentassem um show juntos. Mesmo sem experiência, o poeta encarou o papel. “Acho que já mexia com poesia há uns cinco anos, mas nunca tinha feito um repente”, diz. Diante de um público formado por 600 pessoas, ele relata que surgiram os primeiros versinhos que até hoje permanecem na memória.
“Aquela primeira vez foi tão marcante com Rachid que lembro do início dos nossos improvisos. Eu fiz o verso ‘Contra esse homem não há revide, contra ele não há solução. O primeiro nome é Rachid, o segundo é Salomão”, declara.
Improviso Guaicuru – Por não saber tocar violão, o ator explica que não poderia seguir na vertente do repente nordestino ou gaúcho. Devido a essa ‘incompetência’, Ruberval criou o próprio estilo que posteriormente foi batizado por um amigo jornalista de ‘improviso Guaicuru’.
“Peguei elementos do teatro, figurino, maquiagem, berrante e alguns outros elementos de diversas frentes da cultura. A partir disso montei o improviso Guaicuru que é uma outra modalidade de repente que por enquanto só eu desenvolvo. Acabou virando assim o sinônimo do trabalho que faço”, destaca.
Há mais de 30 anos, o campo-grandense espalha a arte dentro e fora do Estado. Através desse trabalho, ele conseguiu destaque em eventos de diferentes setores, além de ser convidado para fazer palestras.
Maior elogio – Devido ao contato com a poesia e também por ter ocupado a vice-presidência na UBE (União Brasileira dos Escritores), Ruberval conheceu escritores regionais e nacionais. Quando Manoel de Barros estava vivo, o repentista teve a chance de o visitar por três vezes em Campo Grande.
Do último encontrou saíram as palavras que o poeta proferiu e Ruberval considera o ‘maior elogio’ que recebeu na vida. No dia, ele recitou uns versos que tinha feito para mostrar ao escritor.
“Tinha um poeminha que eu dizia assim: ’Quando um pássaro faz curvas no céu encurta as esquinas da terra. Quando um poeta faz curva nas palavras, reinventa o conhecimento’. O Manoel virou para mim, pôs a mão no meu ombro e falou assim: ‘Você sabe que isso é algo que eu poderia ter escrito, né? Na verdade, eu gostaria de ter escrito”, recorda. Assim como foi no dia que ouviu isso, o repentista quase chora ao relembrar a história.
Veterano na Flib, Ruberval participou das edições anteriores, sendo o responsável pela apresentação. Na 8ª edição, ele volta para espalhar a arte que deixa qualquer um, inclusive Manoel de Barros, encantado.
Na 8º edição, a Flib traz como tema ‘Literatura: Fronteiras e Travessias’. Neste ano, a proposta é explorar as múltiplas fronteiras da literatura – culturais, políticas, geográficas e de gênero. Em 2024, o evento presta homenagem a três grandes escritores: Hélio Serejo, Graciliano Ramos e Aglay Trindade Nantes.
Veja a programação de sexta-feira (05)
8h às 10h – Sala Sinha Vitória
- Oficina de Criação: Imagine – Oficina de Cinema e literatura, com Marinete Pinheiro
08 às 10h – Sala Morro Azul
- Oficina de formação: O mapa das brechas: escrita em sala de aula além do ENEM, com Febraro
10h – Lounge
- Roda de Conversa: Muitas histórias para trocar, com Kaka Werá
- Mediação: Denise Silva
10h – Lounge
- Roda de Conversa: Entre o traço, a tinta e o texto, com Marina Duarte, Dudu Azevedo, Fabio Quill, Fred Hildebrand.
- Mediação: Melly Sena
11h – Lounge
- Roda de Conversa: Do livro ao leitor: o papel das instituições, Andressa Marques da Silva (MinC);
- Max dos Santos (Companhia das Letras);
- Roberta Roque (Itaú Cultural)
- Melly Sena (PROLER -MS)
14h às 16h – Sala SinhaVitória
- Oficina de Criação: Imagine – Oficina de Cinema e literatura, com Marinete Pinheiro
14h às 16h – Sala Morro Azul
- Oficina de formação: Mulheres escritoras de MS, com Karina Vicelli – IFMS – Dourados
16h – Café com Letras
- Lançamento de Livros
17h – Lounge
- Dedo de Prosa: com Eva Vilma, Nycolas Verli, Emmanuel Marinho e Vini Willyan
19h – Lounge
- Conversa com escritor, com Geovani Martins
- Mediação: Marcelle Sabóia
20h – Lounge
- Conversa com a escritora: Personagens em Travessia, com Socorro Acioli
- Mediação: Maria Adélia Menegazzo
18h – Lounge
- Delegacion Paraguay – Oscar Mosqueira (Circuito Cultural Guarani), Marco Augusto Ferreira (Escritor – Asociacion de Escritores del Paraguay), Victor Aillon (Asociacion de Guionistas del Paraguay “Kuatia”), Celso Franco (Actor, Productor, Compositor, Guionista).
- Mediação: Rodrigo Teixeira e Lucilene Machado
21h – Palco principal
- Show musical com Tukum (RJ)
22h – Palco principal
- Show musical com Corvo e os Malditos do Cerrado (MS)
Fonte:CGN