A decisão que põe fim à isenção de imposto de importação para compras internacionais abaixo de US$ 50, conhecida popularmente como “taxa das blusinhas”, desencadeou uma corrida contra o tempo para aqueles que têm seus carrinhos de compra cheios em plataformas como Shein e AliExpress.
Aprovado na quarta-feira (5) pelo Senado, o texto que prevê um acréscimo de 20% na carga tributária sobre itens provenientes do exterior foi incorporado ao projeto de lei do Mover, programa voltado para a descarbonização do setor automotivo – uma tática conhecida como “jabuti”, onde uma medida adquire dispositivos não relacionados ao texto inicial.
A proposta ainda precisa ser ratificada pela Câmara e receber a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Contudo, para aqueles que almejam economizar em suas compras internacionais, o conselho é não aguardar até a data provável de sanção, pois para eles, tempo significa dinheiro.
Assim que tomou conhecimento das informações sobre a “taxa das blusinhas”, Thiago Francisco, 31 anos e residente em Curitiba, correu para garantir seus produtos.
“Eu tinha algumas coisas no carrinho, mas ia comprando conforme o mês, conforme o orçamento. Aí eu vi a coisa andando e decidi aproveitar. Vou fazer um esforço esse mês e sair menos, porque a diferença de preço faz valer a pena”, afirma Francisco, que é engenheiro de dados.
Na Shein, ele adquiriu duas jaquetas, enquanto na Aliexpress comprou dois guarda-chuvas, uma mochila expansível, uma nécessaire e um organizador de cabos para celular. “Nada muito exagerado, mas eram itens que eu já estava de olho há um tempo e decidi comprar agora. A taxação me incentivou”, relata.
Para ele, o diferencial das plataformas asiáticas não se resume apenas ao preço, mas à variedade e à rapidez com que os catálogos são atualizados para incluir itens mais modernos. Os guarda-chuvas que adquiriu, por exemplo, são para uso de reserva: tão eficientes que ele não quer correr o risco de ficar sem.
“Eles são incríveis. Se fecham para dentro, mantendo a água represada, então você não se molha. Lá fora custam R$ 70 com impostos. Aqui, ou não são encontrados, ou são vendidos por uma diferença de preço absurda, algo em torno de R$ 300, R$ 350.”
Não é incomum encontrar outros relatos semelhantes nas redes sociais. Usuários do X (antigo Twitter) aproveitam para compartilhar suas experiências na corrida para compras antes da aplicação da taxa, além de criticar a medida e o governo federal.
Para aqueles que trabalham com a divulgação de produtos importados, a iminência da taxação tem sido utilizada como estratégia persuasiva. “Aproveite para comprar antes do aumento do imposto sobre produtos adquiridos no AliExpress”, diz um usuário do X, que produz vídeos com sugestões de produtos para automóveis e motocicletas.
“Lembrando que essa pode ser uma das últimas oportunidades antes do imposto de 20% entrar em vigor”, afirma outro, que faz propaganda de consoles de videogames portáteis. Questionada, a Shein optou por não comentar sobre um possível aumento nas vendas nos últimos dias. Até o momento da publicação desta matéria, a Aliexpress não havia respondido aos pedidos de comentário.
Já a Shopee declarou apoiar a taxação. “Nosso foco é nacional. Queremos desenvolver cada vez mais o empreendedorismo brasileiro e o ecossistema de e-commerce no país, e acreditamos que a iniciativa trará muitos benefícios para o marketplace”, disse em comunicado à Folha.
“Não haverá impacto para o consumidor que comprar de um dos nossos mais de 3 milhões de vendedores nacionais, que representam 9 em cada 10 compras na Shopee no país.”
ENTENDA O CASO
A nova alíquota surge após mais de um ano de embates entre as plataformas internacionais, o varejo nacional e o governo Lula.
No ano passado, a Receita Federal tentou acabar com a isenção para pessoas físicas e taxar as compras com uma alíquota de 60%, visando fechar brechas para fraudes e sonegação. A medida também pretendia aliviar a pressão sobre o setor varejista, que, devido aos preços baixos praticados pelas plataformas asiáticas, alega concorrência desleal e enfraquecimento da indústria.
Entretanto, a notícia repercutiu mal e serviu, nas redes sociais, como alvo de ataques de apoiadores do presidente Lula.
Na época, o governo teve acesso a pesquisas de monitoramento que indicavam que a grande maioria dos comentários sobre o assunto era negativa. A primeira-dama Rosângela da Silva, conhecida como Janja, e o PT foram contra o fim da isenção. O governo recuou e acabou criando o programa Remessa Conforme, com isenção de imposto de importação para as plataformas que aderissem ao sistema.
No dia 6 de maio, entretanto, o relator do projeto que cria o Mover, deputado Atila Lira (PP-PI), incluiu a taxação como um jabuti, sem a anuência prévia dos líderes da Câmara, conforme relatado à Folha.
O relatório do deputado federal propunha que a isenção “preocupa a indústria nacional” e que sua existência gera “desequilíbrio com os produtos fabricados no Brasil, que pagam todos os impostos”. O dispositivo foi mantido por pressão de varejistas no Congresso, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aderiu à ideia.
Inicialmente, a proposta de Atila Lira era eliminar a isenção. No entanto, no dia da votação do projeto do Mover, ele apresentou dois pareceres: um que propunha uma alíquota de 25%, outro de 20%.
O meio-termo nos 20% foi resultado de um acordo entre os líderes da Câmara e Arthur Lira, com aval do presidente Lula, segundo pessoas envolvidas nas negociações.
O presidente da Câmara se reuniu com o petista para discutir o assunto. Lula era contrário à taxação e chegou a afirmar que vetaria o fim da isenção caso fosse aprovado pelo Congresso, mas demonstrou disposição para negociar.
Na ocasião da aprovação do Mover na Câmara, Arthur Lira declarou que o acordo foi “o possível para esse momento”. Ao ser questionado se o assunto poderia ser discutido em outro momento, ele respondeu que isso será abordado na regulamentação da reforma tributária.
“O segundo round ocorrerá durante a discussão da reforma tributária, em questões de equidade tributária mais justas e claras para todo o setor produtivo. Portanto, neste momento, estamos dando um passo importante. E aqui nossa visão não é contra ninguém; ninguém quer prejudicar ninguém; estamos auxiliando as empresas, a indústria nacional e os empregos que ela gera para todos os brasileiros”, afirmou.
Atualmente, os estados já cobram uma alíquota de 17% nas compras internacionais de até US$ 50 por meio de plataformas online. Se a medida for aprovada sem alterações, haverá um adicional de 20% de imposto de importação, um tributo do governo federal.
** Com FolhaPress