Os DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar) seguem marcando presença nas estatísticas brasileiras que mostram aumento no número de usuários. Em nível nacional, Mato Grosso do Sul crava a segunda posição no ranking de consumo de cigarro eletrônico. Com 4% da população usando, o Estado só fica atrás do Paraná (4.5%).
Desde 2009, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proíbe a fabricação, comercialização, importação e publicidade dos dispositivos. Em 2024, a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) n° 855 reforçou a proibição de consumo em espaços coletivos fechados, sejam eles públicos ou privados.
Ainda assim, não é difícil encontrar o produto principalmente no caso de Mato Grosso do Sul, que faz fronteira com o Paraguai. Em Campo Grande, os vaps e pods são vendidos até mesmo por ambulantes na rua. Em abril, um vendedor foi filmado comercializando cigarros eletrônicos na calçada de um bar localizado na Rua Euclides da Cunha, no Bairro Jardim dos Estados.
Dependência rápida, forte e intensa – Apesar dos dispositivos não terem tabaco, eles têm outras substâncias prejudiciais à saúde como acetona, acroleína, formaldeído, aldeído. Pneumologista há 15 anos, o médico Henrique Ferreira de Brito destaca que os cigarros eletrônicos são tão prejudiciais quanto os convencionais, principalmente, por causa da nicotina.
“A questão bem particular é que o eletrônico tem quantidade alta de nicotina e com aditivos que permitem que ela seja mais absorvida pelos pulmões e chegue mais rápido ao cérebro. Além de causar problemas cardiovasculares, a nicotina tem a função de causar dependência. Esse é o problema central do cigarro eletrônico porque é mais rápido e intenso que o convencional”, afirma.
Segundo o médico, um maço de Marlboro vermelho com 20 unidades tem 14 miligramas de nicotina, sendo 0.7 miligramas por unidade. Já um refil de vape ou pod tem 100 miligramas de nicotina. “A quantidade é maior e pode ser até cinco vezes mais dependendo do fabricante”, explica o pneumologista.
Desenvolvido para supostamente reduzir o consumo do cigarro convencional, o eletrônico na prática vem formando novos fumantes no Brasil. A pesquisa mais recente do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) aponta que o número de fumantes do cigarro eletrônico cresceu em 600% de 2018 a 2023.
A incidência passou de 0.3% a 1.8% no mesmo período e na população adulta cresceu de 154.365.965 para 163.465.276. Já a experimentação entre fumantes de cigarros industrializados subiu de 16% para 29%.
De 2019 a 2023, a Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) também executou levantamento sobre a prevalência do uso de Dispositivos Eletrônicos para Fumar.
No período analisado, as maiores prevalências de uso diário ou ocasional foram encontradas entre adultos do sexo masculino de 18 a 24 anos. Em 2023, esse grupo ocupou o primeiro lugar no ranking com 6.1%. Na sequência vem os de 25 a 34 anos (3.4%), 35 a 44 anos (1.3%) e 45 a 54 anos (0.7%).
Outro estudo brasileiro mostra o impacto desse tipo de cigarro especificamente entre os jovens. Em 2019, a PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar) revelou que 13.6% dos alunos entre 13 a 15 anos e 22.7% nos de 16 e 17 anos declararam já terem experimentado algum tipo de dispositivo eletrônico.
No consultório, o pneumologista Henrique Ferreira de Brito diz receber dois tipos de pacientes jovens. “Tem aqueles que tiveram problema pulmonar facilitado pelo uso do dispositivo eletrônico. São jovens com quadro viral que teriam evolução rápida, mas vem de forma mais intensa porque o cigarro favoreceu o agravamento”, explica.
Outro caso que também representa esse grupo é formado por pacientes que sentem dificuldade ‘imensa’ em largar o pod ou vape devido a ordem de dependência química. Já o terceiro exemplo é em relação a ex-fumantes que retomaram o hábito após aderirem aos eletrônicos. “As pessoas usaram como subterfúgio para parar, mas acabam causando dois vícios”, fala.
O resultado do consumo dos cigarros eletrônicos são as doenças pulmonares, cerebrovasculares e cancerígenas. Além disso, o consumo deixa o organismo suscetível a doenças infecciosas. Nesse ‘pacote’, o pneumologista cita mais uma doença que é causada pelos vapes e pods: Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Eletrônico, conhecida como Evali. A condição é causada por uma série de sintomas respiratórios agudos, incluindo tosse, falta de ar, dor no peito e febre.
“Sabor bom, cheiro nem se fala” – Gabriel de Moura, de 19 anos, começou a fumar os pods na adolescência. Antes do dispositivo eletrônico, ele fumava narguilé, mas largou esse definitivamente após descobrir os eletrônicos.
“Como eu estava morando em Ponta Porã e em Pedro Juan o pod chegou muito rápido e muito barato. Eu e minhas amigas compramos e gostamos. Comecei a consumir muito sempre quando estava com amigos e até sem”, conta.
Com o consumo frequente, o estudante de Marketing passou a comprar qualquer lançamento que chegasse ao mercado. “Todo dia lançava um pod novo, um sabor novo, uma cor nova, sempre tinha uma opção nova. Sempre fumamos o pod mesmo, porque o sabor é bom e o cheiro, nem se fala, comparado com o cigarro”, comenta.
No ‘auge’ do vício, o jovem fumava dois pods de 600 puffs em menos de uma semana. Os ‘puffs’ no caso representam uma vaporada. Em 2023, após três anos de consumo constante, Gabriel viu na saúde as consequências dos cigarros eletrônicos.
“Repentinamente comecei a sentir falta de ar, não conseguia encher meu pulmão. Já associei com o pod e parei de fumar, mas nisso ainda fiquei uma semana sentindo falta de ar. Quando fui na pneumologista ela disse que se não tivesse parado poderia ter piorado”, fala.
A freelancer Letícia Fernandes, de 26 anos, começou a fumar através dos cigarros industrializados. Na época da faculdade, ela fumava esporadicamente em festas, porém o cenário mudou na pandemia. “Meu consumo aumentou bastante e eu comecei a fumar em casa”, declara.
Como nunca gostou do odor do cigarro e percebia mudanças no paladar conforme aumentava o consumo, ela trocou o industrializado pelo eletrônico. “Aí vieram os eletrônicos. Experimentei pela curiosidade e gostei por ser gostoso, cheiroso e por suprir a vontade da nicotina”, explica.
O plano de largar o industrializado deu certo, mas ela confessa que agora fuma mais que antes. No mês, a freelancer consome uma unidade de 8 mil puffs. “É mais frequente do que do era o cigarro tradicional pela funcionalidade de tirar do bolso e dar um trago rápido em qualquer lugar. Acho que eu fumo com mais frequência agora porque é docinho, gostoso, fácil”, justifica.
Outra pessoa que acabou substituindo o produto, porém mantendo o hábito de fumar é a biomédica, de 26 anos, que pediu para ter a identidade preservada. Do cigarro tradicional, ela passou para o tabaco que posteriormente foi substituído pelo eletrônico.
Além da praticidade, ela cita outras duas diferenças que foram definitivas para manter o dispositivo eletrônico. “Ele sozinho já supre o quesito nicotina pra mim e não deixa o cheiro ruim que fica com cigarro e o tabaco”, afirma.
Desde 2021, ela aderiu ao pod começando pelo recarregável que não compensava no custo-benefício, pois exigia a troca frequente da resistência. “Acabava saindo mais caro comparando com o que eu gastava de tabaco, mas depois que o pod descartável popularizou acabou ficando mais em conta”, comenta.
Agora, ela consome em média um pod a cada 25 dias e costuma sentir sintomas como tosse e dor de garganta. Com receio de ter algo mais sério por saber dos riscos do consumo, a biomédica confessa que já pensou em parar algumas vezes. “Mas querendo ou não ainda tem a “dependência” da nicotina o que deixa um pouco mais difícil o processo”, pontua.
31 de maio é o Dia Mundial Sem Tabaco 2024 que tem como tema a “Proteção das crianças contra a interferência da indústria do tabaco”. A campanha foi lançada nesta semana pelo Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Através de linguagem jovem, a iniciativa quer promover uma mudança de comportamento e proteger as futuras gerações do uso do tabaco.
Fonte:CGN