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Pesquisa confirma que agrotóxicos presentes em antas também contaminam humanos

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Pesquisa feita com 94 moradores de áreas rurais dos municípios de Nova Alvorada do Sul e Nova Andradina mostra que 36 deles (34%) testaram positivo para algum agrotóxico no organismo. As entrevistas e a coleta das amostras de urina e sangue foram feitas em abril do ano passado e o resultado foi divulgado nesta sexta-feira (16).

De acordo com o médico infectologista Maurício Pompílio, um dos coordenadores da pesquisa, o resultado é, no mínimo,  “preocupante”. “Não podemos utilizar termos mais fortes porque nem mesmo existem pesquisas semelhantes em outras regiões do Estado ou do país para saber se por aqui a situação é mais ou menos grave”.

A região pesquisada, segundo ele, é dominada pela cultura de cana-de-açúcar e as entrevistas revelaram que todas as pessoas que testaram positivo para a presença de algum agrotóxico moram ou transitam constantemente próximo aos locais onde ocorre pulverização aérea sobre os canaviais.

Alguns deles, lembra o médico, são pequenos agricultores e ao longo dos últimos anos também trabalharam na borrifação de algum pesticida. O médico praticamente descartou a possibilidade de as intoxicações terem ocorrido por conta da ingestão de alimentos que foram produzidos com o uso destes produtos.

O estudo, feito somente com pessoas acima de 18 anos, foi realizado cinco anos depois de o  INCAB (Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira) e o projeto do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) identificar a presença desses químicos em carcaças de que morreram atropeladas e em animais  vivendo na natureza na mesma região.

A anta é uma espécie sentinela ou seja, pode ser utilizada para detectar riscos ou perigos a elas mesmas e a outras espécies, incluindo seres humanos. Por esta razão, a presença das substâncias nas antas levantou a preocupação nos pesquisadores sobre a saúde das comunidades vivendo na região em que os animais foram amostrados.

Os pesquisadores detectaram cinco agroquímicos durante a pesquisa, sendo dois Organofosforados (Glifosato e Malathion) e três Organoclorados (pp’DDD, Dieldrin e Beta-BHC). Em alguns casos há mais de um químico no orgnismo, situação é conhecida como ‘coquetel de agroquímicos’.

Seus efeitos ainda são pouco conhecidos, mas a interação entre químicos pode ser ainda mais perigosa. Do total de participantes, 78 foram testados para o glifosato em amostra de urina. Este é o herbicida mais utilizado no Brasil e possui potencial cancerígeno, segundo estudos. O glifosato se mostrou presente em 25 pessoas.

“O organismo humano é capaz de metabolizar e eliminar diversas substâncias, entretanto as moléculas de vários agrotóxicos podem se depositar no corpo e causar danos aos órgãos e tecidos, como fígado, rins, pele e sistema nervoso. A depender da dose no corpo, pode levar inclusive à morte”, explica o médico Maurício Pompílio.

A anta brasileira já apontava para esse cenário de contaminação durante o estudo realizado pela INCAB-IPÊ, entre 2015 e 2018. O estudo gerou um relatório técnico e um artigo científico que foi publicado na revista científica internacional Wildlife Research, em 2021.

Durante os anos da pesquisa, amostras biológicas de antas foram coletadas, principalmente de carcaças frescas de animais atropelados ao longo de 34 rodovias do Mato Grosso do Sul, particularmente a BR-262, BR-267 e MS040.

Nos animais amostrados foi possível detectar 13 compostos químicos diferentes, incluindo nove pesticidas e quatro metais. “Passamos a utilizar as antas como sentinelas na detecção de compostos químicos em áreas dedicadas à agricultura e pecuária – particularmente as grandes monoculturas de cana-de-açúcar, soja, milho e algodão. A gente espera que, com esse conjunto mais amplo de resultados, seja possível iniciar uma conversa com os órgãos governamentais, os laboratórios, as empresas do agronegócio que estão envolvidas com essa cadeia de utilização dos agrotóxicos em nosso país”, explica a pesquisadora e coordenadora da INCAB-IPÊ, Patrícia Medici.

Maurício Pompílio explica que, com os resultados obtidos na pesquisa com humanos, há medidas individuais e coletivas que devem ser tomadas. “No aspecto individual, identificar se seus exames estão normais ou alterados e, em caso de alterações, procurar ajuda para avaliar melhor seu estado de saúde. No aspecto coletivo, sensibilizar todos os trabalhadores rurais para a necessidade do uso dos equipamentos de proteção individual durante o manejo do solo e defensivos agrícolas”.

O médico admite que a agricultura em larga escala, como é o caso de Mato Grosso do Sul, é praticamente inviável sem a utilização de agrotóxicos. Por isso, afirma que “comunidades rurais, gestores locais e conselhos precisam somar esforços para que os responsáveis pela produção agrícola em larga escala empreguem estratégias para reduzir imediatamente esta contaminação e apliquem alternativas deste manejo do solo e produção agrícola de forma mais consciente e segura”,

Por não existir laboratório específico em Mato Grosso do Sul, os exames tiveram de ser feitos no Centro Tecnológico de São Paulo. Os resultados foram entregues para cada um dos participantes da pesquisa e cada qual recebeu recomendações sobre como proceder nos casos positivos para agroquímicos e metais.

Os moradores foram testados para 10 Organofosforados – entre eles estão Diazinon, Dimethoate e Malathion, e para 15 Organoclorados, como Aldrin, Dieldrin e Endrin. Além disso, foram testados para nove metais, como o alumínio, chumbo, arsênio, cobre e mercúrio.

O Glifosato, um Organofosforado, foi encontrado em 25 pessoas. Os valores das amostras estão acima do esperado, ou seja, acima de 0,6 µg/l. O Brasil permite altos limites de utilização do herbicida, se comparado com outros países.

Por exemplo, o limite máximo de Glifosato na água, na União Europeia, é de 0,1 µg/l, enquanto no Brasil o limite é de 500 µg/l, ou seja, 5.000 vezes maior.

Essa diferença de limites também se manifesta nas amostras humanas. Na Dinamarca, por exemplo, o limite máximo de glifosato encontrado em pesquisas realizadas em humanos é de 3,31 µg/l. Na França o valor máximo foi de 9,5 µg/l. Na amostragem feita pela INCAB-IPÊ, o valor máximo encontrado foi de 15,12 µg/l, sendo que sete pessoas, entre os 25 positivos para glifosato, possuem concentrações maiores que 10 µg/l.

Em 15 pessoas, das 25 positivas para glifosato, foram detectadas alterações nos exames de rotina. Além disso, em quatro indivíduos foram identificados outros agroquímicos no sangue.

Os participantes também foram testados para nove metais. Entre os 94 participantes, quatro foram positivos para cobre e 18 para mercúrio. As concentrações de cobre estavam acima do limite máximo esperado.

Os limites de mercúrio não foram altos, de acordo com a referência do CIATOX, mas o metal estava presente. É importante dizer que não deveria se encontrar mercúrio em humanos. Ao contrário dos agroquímicos, os metais são encontrados naturalmente no ambiente.

Dados do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, demonstram que o Centro-Oeste é a região que mais comercializa agrotóxicos no país. Foram 237.144,49 toneladas vendidos na região, em 2020.

Mato Grosso do Sul é o sexto estado que mais vende as substâncias no país. Em 2020, foram comercializadas 18.807 toneladas de glifosato no Estado.

 

FONTE: INCAB

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