Suspeito de ter vendido decisão, ato conhecido popularmente como venda de sentença, o desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), Divoncir Schreiner Maran, ontem foi afastado de suas funções por ser o alvo principal da Operação Tiradentes, da Polícia Federal (PF).
Maran, autor da liminar que soltou um dos chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC), Gerson Palermo, no dia 21 de abril de 2020, é suspeito dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Palermo foi solto por um habeas corpus concedido por Maran em 21 de abril de 2020 (razão do nome da operação), em plena pandemia de Covid-19, depois de ter a decisão negada em 1ª instância e de os autores do habeas corpus terem esperado pelo menos outros dois plantonistas para ingressar com o recurso, como se aguardassem a vez de Maran estar de plantão.
Quando o desembargador Jonas Hass Silva Júnior, previsto para apreciar o habeas corpus impetrado pelo chefão do PCC, revogou a decisão de Maran, já era tarde demais. Palermo havia rompido a tornozeleira eletrônica e até hoje é foragido da Justiça, com pelo menos 126 anos de condenações para cumprir.
Corrupção e lavagem
Para chegar a Maran, que responde processo no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que pode culminar em seu afastamento, a Polícia Federal contou com a ajuda da Receita Federal.
O caminho do dinheiro foi feito pelos auditores da Receita e os investigadores da PF, que descobriram uma complexa rede que envolve outro magistrado e dois filhos de Maran que também são advogados, Divoncir Schreiner Maran Júnior e Vânio César Bonadiman Maran, além de um terceiro advogado, que teria participado do esquema. Um ex-empregado do grupo também esteve envolvido.
O grupo ligado a Palermo, segundo organograma montado pela Receita Federal, teria feito o pagamento a um ex-empregado de um dos filhos de Maran, sócio de um escritório de advocacia que tem ligação patrimonial com o desembargador Maran, que soltou Palermo.
A confecção da liminar que soltou o chefe do PCC e é assinada por Maran, porém, está associada à assessora de um outro magistrado, cujo filho é sócio dos filhos de Maran, indica o organograma da Receita.
O processo corre em segredo de Justiça e, por isso, a PF não deu mais informações. A cautelar criminal tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, que determinou o afastamento de Maran.
O afastamento do desembargador, que já foi presidente do TJMS e também do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS), foi publicado na edição desta sexta-feira do Diário da Justiça.
O nome do segundo magistrado citado na investigação não foi citado e seu afastamento também não foi publicado no Diário da Justiça.
Juiz inconformado
O desembargador Divoncir Schreiner Maran, afastado de suas funções por determinação do STJ, pode ser o segundo “derrubado” pelo juiz Rodrigo Pedrini Marcos, da 1ª Vara Criminal de Três Lagoas.
Responsável pela denúncia contra o desembargador, feita ao CNJ, o juiz é o mesmo que foi responsável pela “demissão” da desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges, em fevereiro de 2021.
No caso de Tânia, o magistrado denunciou ao CNJ o fato de a desembargadora ter ido pessoalmente ao presídio em Três Lagoas liberar seu filho, Breno Solon Borges Fernandes, que estava preso após ter sido flagrado traficando maconha e munições.
Conforme a denúncia, Tãnia teria usado seu cargo para beneficiar ilegalmente seu filho e, por isso, foi punida com a aposentadoria compulsória.
Já no caso de Divoncir a denúncia também foi feita pelo juiz Rodrigo Pedrini Marcos ao Conselho Nacional de Justiça, há três anos.
O juiz estranhou o fato de o desembargador ter mandado soltar o traficante Gerson Palermo, de 65 anos, condenado a 126 anos de prisão, durante plantão judicial no feriado de 21 de abril de 2020.
Divoncir Maran concedeu prisão domiciliar ao traficante sob alegação de que ele corria o risco de contrair Covid-19, na época em que a pandemia estava começando.
Na denúncia, o juiz de Três Lagoas insinua que o pedido de liminar foi feito exatamente naquele dia porque os advogados de Palermo sabiam que Divoncir Maran estava de plantão.
Com a denúncia, o CNJ decidiu, em 5 de setembro do ano passado, instaurar processo administrativo disciplinar para apurar o caso.
O desembargador vai se aposentar no dia 7 de abril deste ano, pois completa a idade-limite de 75 anos no dia 6 de abril, e, desta forma, pode escapar ileso da investigação, em razão do arquivamento do processo.
O Correio do Estado procurou o juiz Rodrigo Pedrini Marcos, para saber se ele gostaria de comentar o caso, mas não conseguiu contato até o fechamento desta edição.
Fato raro
A aposentadoria compulsória ou demissão de magistrados é fato raro no Judiciário de Mato Grosso do Sul, com apenas dois casos até então.
Além de Tânia Borges, outro juiz demitido em Mato Grosso do Sul foi Aldo Ferreira da Silva Júnior, em julho de 2022, por decisão do TJMS.
Fonte:CE