A plataforma X, antigo Twitter, lançou em março deste ano um sistema colaborativo de verificação de informações, batizado de Notas da Comunidade, que permite que um conjunto de usuários comuns, previamente cadastrados e aprovados pela rede social, possa avaliar postagens de terceiros e inserir textos com o objetivo de “contextualizar” conteúdos.
Segundo advogados eleitoralistas de Mato Grosso do Sul ouvidos pelo Correio do Estado, a prática permitiu nos últimos meses a veiculação de desinformação e mensagens enviesadas, o que abriu uma nova frente de preocupação para as próximas eleições e deve desafiar a Justiça Eleitoral do Brasil, pois há risco de propagação de notícias falsas.
A expectativa é de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) volte, nos próximos meses, a debater regras para campanhas políticas no ambiente digital, porém, a Corte Eleitoral ainda não informou se o modelo da ferramenta do X está em análise e reforçou que tem até o dia 5 de março de 2024 para elaborar as novas resoluções, fato confirmado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS).
Para o advogado Benedicto Arthur de Figueiredo Neto, que é ex-presidente do Instituto dos Advogados de Mato Grosso do Sul (Iams), os princípios que baseiam o Direito Eleitoral são o norte para a fixação de regras para a construção normativa.
“No caso dessa nova ferramenta do X, vejo como importante a aplicação de três princípios: o princípio da moralidade das eleições, previsto no artigo 14, § 9º, da Constituição, que determina que a lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e prazos para a cassação, para proteger a probidade administrativa; a partir desse princípio, decorre o princípio da lisura das eleições, previsto no artigo 23 da Lei das Inelegibilidades [Lei Complementar nº 64/1990]; e, por fim, o princípio da autenticidade eleitoral, esse o mais importante para a regular a rede social X”, citou.
Benedicto Neto completou que o princípio da autenticidade eleitoral visa buscar a finalidade essencial das eleições, a fim de que a construção do espírito político seja totalmente desconectada de vícios, evitando abusos e propagação de fake news na disputa.
“O mecanismo deve ter uma regulamentação por parte da Justiça Eleitoral, a fim de que os perfis dos candidatos sejam devidamente monitorados pela sociedade e de que as pessoas que compõem essa rede e podem ‘contextualizar’ uma postagem sejam devidamente cadastradas na Justiça Eleitoral, para evitar abusos e o anonimato com o objetivo de propagar notícias falsas”, pontuou.
No entendimento do advogado eleitoralista, a solução é simples: os princípios já existem no sistema jurídico e uma regulamentação normativa de obrigatoriedade de cadastramento de contas das pessoas que integram o X para a realização de comentários é suficiente para a identificação e a responsabilização do grupo que o compõe, justamente com o fim de se evitar abusos.
“E mais, as plataformas de redes sociais devem contribuir com o sistema democrático, a fim de somente permitir que comentar no X seja possível para o tema ‘eleições’ – e aqui utilizando-se a inteligência artificial para a busca de algoritmos – com o devido cadastramento e identificação dessas pessoas no respectivo órgão fiscalizador”, disse.
Já no entendimento do advogado eleitoralista Alexandre Ávalo, que é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), se nada for feito, tal ferramenta pode repercutir no próximo pleito eleitoral no sentido de interferir negativamente.
“Isso traz preocupação, principalmente no que se refere ao controle das fake news, pois, por meio desse sistema, usuários da plataforma poderão interferir e contextualizar posts de outros usuários”, alertou.
Ele assegurou que é importante esclarecer que a Justiça Eleitoral publica resoluções a cada dois anos com o objetivo de regulamentar e trazer regras a serem aplicadas durante as eleições.
“As resoluções do TSE têm força normativa federal e, com toda a legislação que regulamenta as eleições, deve ser respeitada em todos os pleitos que acontecem no âmbito brasileiro”, lembrou.
Alexandre Ávalo disse que é importante destacar também que qualquer plataforma ou rede social que tenha funcionamento no âmbito nacional também fica submetida às regras eleitorais determinadas pelo TSE e pela legislação federal brasileira, portanto, a plataforma que descumprir regras, interferindo negativamente no pleito eleitoral, pode ser sancionada, bem como os candidatos ou as candidaturas que se aproveitarem de qualquer ferramenta, sistema ou ainda rede social de modo a se beneficiar, prejudicando o direito do eleitor de ter plenas condições de escolher seus candidatos.
Fonte:CE