O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul ofereceu denúncia na Justiça Federal contra acusados de integrarem uma organização criminosa internacional que atuava a partir do município de Corumbá, por lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas.
Segundo a denúncia, o grupo utilizava estabelecimentos comerciais na cidade para lavar grandes volumes de recursos financeiros, em operações que movimentaram, desde 2017, mais de R$ 80 milhões. O esquema foi desarticulado no âmbito da Operação Mamon, deflagrada pela Polícia Federal em 2021.
A organização criminosa se caracterizava pela estrutura familiar. As investigações detectaram dois líderes: Ale Tahir Della e Ioneide Nogueira Martins, conhecido como “Paraná”. Ambos não registravam bens em seus nomes e não movimentavam valores em contas bancárias de sua titularidade.
Para movimentar o esquema, se utilizavam de sobrinhos, irmãos ou dos próprios filhos, que também atuavam, em conjunto com outros integrantes do grupo, como “laranjas” em empresas de fachada que lavavam os recursos oriundos do tráfico.
Por meio de estabelecimentos comerciais de pequeno porte, o grupo movimentou quantias milionárias, incompatíveis com o perfil dos empreendimentos. Um mercadinho de bairro, por exemplo, movimentou R$ 63 milhões entre 2017 e 2021.
Uma loja de conveniência, também investigada no esquema, transacionou mais de R$ 23 milhões em apenas dois anos.
“As empresas constituídas em nome dos investigados são precipuamente de fachada. Ainda que exerçam alguma atividade lícita, os valores desta são irrisórios perto do montante movimentado por eles”, ressalta a denúncia do MPF.
Um dos modus operandi do grupo era a utilização de cartões de créditos para efetuar compras fantasiosas, para aparentar que se tratava de um negócio com grande movimento de compra e venda, quando, na verdade, o local possuía pequeno fluxo de clientes.
Com esse mecanismo, havia uma troca de recursos ilícitos, os quais eram utilizados para efetuar os pagamentos das faturas dos cartões, por recursos lícitos, creditados pela operadora de crédito. Em um dos estabelecimentos investigados, cerca de 90% do faturamento vinha de cartões de crédito dos próprios integrantes da família.
Um deles detinha consigo uma máquina de cartão de crédito na cidade de Belo Horizonte (MG), por meio da qual efetuava compras na loja de conveniência localizada em Corumbá, a mais de 1.600 quilômetros de distância.
O grupo também mantinha relações financeiras com pessoas de fora da rede familiar, muitas delas investigadas, processadas ou condenadas por tráfico, dentre outros crimes. Uma apreensão de cheques em uma das empresas investigadas revelou transação em valor superior a R$ 7 milhões, em cheques emitidos por mais de 600 pessoas distintas, várias delas com antecedentes criminais por tráfico de drogas, contrabando, receptação, lavagem de dinheiro, entre outros, o que demonstra a relação íntima dos denunciados com o cenário da criminalidade.
Com os valores auferidos com as práticas, os integrantes da organização criminosa constituíram um patrimônio incompatível com o perfil dos negócios de fachada que detinham, adquirindo veículos de luxo e um imóvel de alto padrão avaliado em quase R$ 2 milhões. (Veja no vídeo abaixo)
“A existência de fontes de rendas lícitas é desconhecida para a maioria dos envolvidos e, nos raros casos em que é conhecida, registra valores pífios comparados às movimentações financeiras apuradas”, aponta a denúncia do MPF.
Investigações conduzidas pelo MPF e pela Polícia Federal analisaram extratos bancários, faturas de cartão de crédito, além de relatórios de inteligência financeira que, considerados em conjunto com as mensagens apreendidas nos telefones celulares dos investigados, evidenciaram os indícios das relações criminosas entre os integrantes da organização. Nas mensagens há, ainda, tratativas dos denunciados sobre formas de receber e enviar dinheiro para a Bolívia, evidenciando a prática de evasão de divisas por meio de câmbio ilegal.
Segundo as investigações, o grupo mantinha contato com organizações criminosas responsáveis pelo tráfico de drogas entre o Brasil e o vizinho sul-americano, um dos maiores produtores mundiais de cocaína.
Negócio familiar
As investigações apontaram que a organização criminosa era composta por acusados pertencentes a duas famílias. A família Della é capitaneada por Ale Tahir Della, que empreendia seus dois filhos, Matheus Prado Della e Allex Prado Della, no esquema.
Já a família Martins tem como líder Ioneide Nogueira Martins, o “Paraná”, que se associou com os irmãos, Ademilson Dias Bezerra, conhecido como “Paranazinho”, e Maria Lúcia Martins, e ainda com o sobrinho, Lukas Martins Nogueira, e a cunhada, Mayara Pinho Tucan.
Além deles, as investigações alcançaram Luciano Cestari e Guilherme Regenold Neto, que são acusados de emprestarem seus estabelecimentos comerciais para a lavagem de capitais em troca de benefícios em bens ou espécie.
Todos foram denunciados pelos crimes de organização criminosa, de caráter transnacional (art. 2º, caput, e § 4º, IV e V da Lei 12.850/2013), e lavagem e ocultação de bens (art. 1º, caput, e § 4º da Lei 9.613/98). Além das penas de reclusão, o MPF pede a fixação de indenização por danos morais coletivos, em valores que chegam a R$ 2 milhões para os líderes do esquema.
O que diz o vereador
Em contato com Allex Dellas, a reportagem do Folha MS foi informada pelo vereador, que já teria prestado todos os esclarecimentos à justiça e aguarda com tranquilidade a análise judicial.
“Estou à disposição, aguardando. Acho que é um procedimento comum. Encerrados as investigações, agora houve essa situação, a gente tá aguardando se o juiz irá ou não acatar a denúncia, e esperamos que não, porque temos argumentos de que não há nada de lícito que desabone a minha conduta. Sempre ressaltando que isso não tem nada, nenhum tipo de ligação em relação ao meu mandato e meu trabalho público como agente político”, disse.
*As informações são do Ministério Público Federal