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Onça, natureza e turismo comunitário: como explorar o Pantanal a partir da Serra do Amolar

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Há tempos o Pantanal ocupa um espaço cativo no imaginário brasileiro. A novela homônima da TV Globo trouxe à tona esse senso de pertencimento a um grande público. Contudo, para quem visita o bioma, essa percepção pode ser transformada na prática com algumas experiências que têm dado certo. Assim, o Pantanal mostra sua faceta para além do ecoturismo, unindo desenvolvimento comunitário, meio ambiente e preservação.

Terceira maior cidade do Mato Grosso do Sul, com mais de 100 mil habitantes, Corumbá é o principal ponto de partida para descobrir a região da Serra do Amolar, no norte do Estado, e também sede do Instituto Homem Pantaneiro (IHP). A organização não governamental lidera iniciativas de preservação, educação e turismo como Felinos do Pantanal, Rede Amolar, Projeto Cabeceiras do Pantanal, Estratégias para Conservação da Natureza, Brigada Alto Pantanal, Memorial do Homem Pantaneiro e Amolar Experience.

A entidade, bem como outros órgãos regionais, como a Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul (FundturMS) e o Sebrae-MS, está focada em ampliar o papel do turismo como agente de conscientização e mudança. No fundo, a proposta é mostrar ao vivo e a cores que o turismo pode ser mais do que apenas visitar, mas conhecer e participar de iniciativas transformadoras. Fortalecer um turismo que leva mais do que fotos e deixa mais do que apenas pegadas.

É difícil dimensionar o que está em jogo sem compreender o tamanho e a complexidade do ecossistema. Encravada no centro da América do Sul, entre Brasil, Paraguai e Bolívia, a maior planície alagável do mundo tem mais de 220 mil quilômetros quadrados, sendo 138 mil no Brasil, entre Mato Grosso do Sul (65%) e Mato Grosso (35%). O Rio Paraguai e seus afluentes são o grande corredor a partir do qual fauna e flora – são mais de duas mil espécies catalogadas pela Embrapa – são influenciadas por quatro outros grandes biomas: Amazônia, Cerrado, Chaco e Mata Atlântica.

Pôr do sol na Serra do Amolar
Pôr do sol na Serra do Amolar Foto: Felipe Mortara

Apesar de 95% das terras pantaneiras estarem em áreas particulares, há cada vez mais iniciativas de proteção que permitem à pecuária e a abundante natureza coexistirem. A ideia é não apenas preservar ambientalmente, evitando e combatendo grandes incêndios como o de 2020, mas criar um ambiente próspero para milhares de famílias que vivem em pequenas comunidades.

Comunidades pantaneiras

Iniciativas mostram um Pantanal ainda pouco explorado pelo ecoturismo e que descobre uma nova forma de revelar suas belezas; de caminhadas a visitas em comunidades ribeirinhas, uma série de atividades em meio à natureza

O camalote é uma planta abundante nas águas do Pantanal. Dele nasce uma flor roxinha fotogênica e muito perfumada. Há até pouco tempo, era no meio deste emaranhado de aguapés que os catadores de isca viva para a pesca esportiva ganhavam a vida na comunidade da Barra de São Lourenço, às margens do Rio Paraguai, a mais de 100 quilômetros de Corumbá. Mas o turismo de base comunitária e a educação estão transformando esse cenário.

Leonora mostra como são feitas as peças de artesanato na Associação de Mulheres Artesãs da Comunidade Tradicional da Barra do São Lourenço (Renascer)
Leonora mostra como são feitas as peças de artesanato na Associação de Mulheres Artesãs da Comunidade Tradicional da Barra do São Lourenço (Renascer) Foto: Felipe Mortara

Leonora Aires de Souza é descendente da etnia guató, outrora catadora de iscas e agora artesã. Das suas e das mãos de outras 15 mulheres da Associação de Mulheres Artesãs da Comunidade Tradicional da Barra do São Lourenço (Renascer) brotam bolsas, chapéus, jogos de cozinha e outras peças confeccionadas com as fibras do camalote e vendidas para os visitantes. “Agora temos mais tempo dentro de casa, para cuidar da família e das nossas coisas. Antes a gente saía às 5h da manhã e voltava só pelas 3 horas da tarde com os baldes de caranguejo, que nos machucavam as mãos com suas garras”, recorda Leonora.

A beleza da Serra do Amolar

Bem diante da pequena comunidade de uma dezena de casas ergue-se imponente a Serra do Amolar, talvez a mais bela paisagem do Pantanal. Uma cadeia de montanhas de até 1.000 metros de altitude e 80 quilômetros de extensão que brota da planície alagada e divide Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Bolívia. Em seu entorno estão o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense e três Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs).

No mês de julho, o Instituto Homem Pantaneiro (IHP) recebeu um grupo de 12 voluntários com idade entre 20 e 65 anos em parceria com a Exchange do Bem, empresa social que tem o objetivo de fomentar o voluntariado. Foram desenvolvidas ações comunitárias na Barra do São Lourenço e na vila do Binega com entrega de kit higiene, acompanhamento da implantação de uma agrofloresta junto com a ONG Nós Fazemos o Clima (NFC) e a ampliação da biblioteca que atende às comunidades ribeirinhas do Rio Paraguai.

Estas são algumas das atividades do Amolar Experience, um programa de imersão sob demanda que revela a região mesclando um turismo de base comunitária e de preservação com ecoturismo de altíssima qualidade, com duração que pode variar de três a cinco noites. Dá quase para chamar de “ativismo turismo”.

Passeio de caiaque na Serra do Amolar
Passeio de caiaque na Serra do Amolar 

A base para todas estas vivências é a Fazenda Acurizal, uma RPPN a 240 quilômetros ao norte de Corumbá – ou seis horas em lancha rápida. Sob responsabilidade do IHP, a propriedade oferece acomodações simples, porém muito aconchegantes. Deliciosa, a culinária regional tem aquele gostinho e frescor rurais, com vários ingredientes direto da horta e do pomar. É sempre bom lembrar de se trata de uma região remota, com pouquíssimas construções e alta dificuldade logística e de infraestrutura. Às vezes, luxo é simplesmente ter um mínimo de bem-estar num lugar exclusivo.

Outro trunfo do programa Amolar Experience é possibilitar aos viajantes conviver de perto com os agentes de projetos como o Felinos do Pantanal e Brigada Alto Pantanal, testemunhando e ajudando nas iniciativas. É possível, por exemplo, sair na companhia de biólogos para tentar avistar uma das onças monitoradas com um colar com radio transmissor. Ou auxiliar no plantio de mudas de espécies nativas para reflorestamento de áreas devastadas.

“Você só se envolve com o que você conhece. Os visitantes acabam valorizando mais o nosso trabalho ao perceber o esforço das caminhadas sob o sol, das longas navegações e dos mosquitos. Estar aqui é apoiar, mais do que a conservação da fauna, toda uma comunidade de pesquisa”, explica Diego Viana, coordenador do projeto Felinos do Pantanal, ele mesmo bisneto de um caçador de onças.

Jacaré é avistado na Serra do Amolar
Jacaré é avistado na Serra do Amolar Foto: Felipe Mortara

A conservação também está diretamente ligada à educação. Desde 2009 a Escola Jatobazinho funciona numa RPPN às margens do Rio Paraguai a duas horas de lancha de Corumbá rumo à Serra do Amolar. Foi erguida numa antiga pousada por iniciativa do Instituto Acaia Pantanal, membro da Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar (RPCSA), e acolhe 60 estudantes de 5 a 16 anos que passam a semana em regime de internato, voltando de lancha-escola para casa aos fins de semana. Alfabetiza e educa como em uma escola tradicional, mas também ensina como plantar para comer, higiene pessoal, educação ambiental e regras básicas de etiqueta social.

Onça à vista

As iniciativas sociais e educacionais enchem os olhos e inspiram conhecer um Pantanal que foge do convencional. Contudo, o bioma é uma atração automática na região. O Amolar Experience propõe safáris fotográficos pelo parque Nacional do Pantanal Mato-grossense, na companhia de guias muito experientes, cujo olhar ajuda demais a observar e identificar pássaros como a tachã, tucanos, garças-mouras e até o tuiuiú, ave-símbolo do Pantanal.

Tuiuiú, ave-símbolo do Pantanal
Tuiuiú, ave-símbolo do Pantanal Foto: Felipe Mortara

É preciso ter sorte para conseguir avistar uma onça-pintada – felicidade que nosso grupo teve! – mas poucos lugares no Brasil são mais propícios para esse avistamento do que nos entornos da Serra do Amolar. De acordo com o Projeto Felinos Pantaneiros, já são 132 indivíduos da espécie mapeados na região. E a emoção deste encontro, por mais rápido que tenha sido, é simplesmente inesquecível.

A partir da sede da Fazenda Acurizal, a Trilha Sul, de esforço moderado, leva até um poço translúcido, passando por um belo mirante. Logo no começo avistamos pegadas fresquinhas de uma onça pintada, mas infelizmente não conseguimos avistá-la. Pelo caminho, o guia Adriano Kirchner vai identificando espécie de aves, plantas e insetos, como a formiga-leão, que prepara uma armadilha para se alimentar de outros insetos quando ainda é uma larva. É possível fazer parte do trajeto pedalando.

Após uma navegação de cerca de uma hora até a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Engenheiro Eliezer Batista, outro local de ações de pesquisa e conservação da natureza do IHP, começa a caminhada na trilha Morrinhos. O esforço é um tanto intenso para os pouco habituados a caminhar, mas a vista compensa, já que o horizonte parece um mar de lagoas pontilhado por muito verde. Por falar em verde e transparência, na ida ou na volta você vai conhecer as águas do Rio Paraguai Mirim, um segredo ainda pouco conhecido da região, e altamente comparável com Bonito.

Uma das atividades especiais do Amolar Experience é remar de caiaque pelo Rio Paraguai ao amanhecer ou entardecer. As luzes na Serra do Amolar são extraordinárias – e o céu revela a Via Láctea com uma clareza rara. Sem dúvidas o pôr do sol mais especial da viagem é na gigantesca Baía da Gaíva, que além de revelar pinturas rupestres numa de suas margens, dá a sensação de estar num verdadeiro oceano. Um mar chamado Pantanal.

Fonte: Estadão

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