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O Pantanal da novela dos anos 90 mudou — e pouco se parece com o de 2022

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No dia 28 de março, a Globo lança a nova versão de Pantanal, folhetim que fez sucesso na Rede Manchete nos anos 1990. Gravada principalmente no bioma pantaneiro, a novela original exibia imagens exuberantes das planícies alagadas e da vegetação quase intacta da região, então uma das áreas mais preservadas do país. O mesmo não pode ser dito trinta anos depois: o Pantanal de Juma Marruá não é o mesmo. “Na primeira versão da novela, estávamos em um período ainda de grande umidade e não existia a gravidade das ações humanas que temos hoje, com o desmatamento e ocupação, que eram bem menores”, explica a Cátia Nunes da Cunha, pesquisadora do Centro de Pesquisa do Pantanal, CPP.

Programada, inicialmente, para estrear em 2021, a novela foi adiada devido à pandemia de coronavírus. Nos bastidores também se falava que o desmatamento era uma preocupação, já que o bioma passou por uma de suas piores crises ambientais em 2020. No teaser da novela, é possível ver imagens magníficas das águas pantaneiras e do verde da região — cenário que atua como protagonista do folhetim. Há, porém, registros da época de seca, e do gado que vem avançando na área, que Cátia descreve como “uma outra realidade.”

Segundo um levantamento da ONG SOS Pantanal, até 2019, o bioma havia perdido 15,7% da sua área de vegetação nativa, quatro vezes mais do que em 1990, quando a perda era pouco menos de 4%. A situação piorou em 2020: de acordo com dados do IBGE, a cobertura vegetal devastada pelas queimadas daquele ano foi de 23.000 km², dez vezes mais do que os 2.100 km² perdidos entre 2000 e 2018. “Muitas pessoas andam pelas estradas e dizem que o Pantanal se recuperou porque está verde novamente, mas isso é um engano. O que está verde são espécies que promoveram sua germinação a partir do fogo, e não a vegetação natural, que estava ali antes”, esclarece a pesquisadora.

Em uma postagem nas redes sociais, o ator Marcos Palmeira, que viveu Tadeu na versão de 1990, e agora retorna como José Leôncio na segunda fase da novela, comentou a visita ao local com tristeza. “São 30 anos de muita seca e muito desmatamento. Fica fácil perceber a interferência humana. Espero que a novela traga a reflexão de que precisamos cuidar para que daqui a 30 anos a gente possa ter uma recuperação ambiental”, disse o ator. Letícia Salles, que interpreta Filó na primeira fase, também se manifestou sobre o tema. “Fiquei empolgada em estar lá, mas triste de ver a seca. Temos um um bioma muito rico, administrado de maneira muito irresponsável”, disse ela.

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A impressão dos atores é corroborada pelos dados. Embora o Pantanal ainda seja o bioma mais preservado do Brasil, com 80,3% de área nativa, ele vem sofrendo com alterações intensas em sua vegetação, e a devastação avança a passos largos. Segundo a base de dados do MapBiomas, a área destinada à agropecuária mais do que dobrou nas três décadas que transcorreram entre as duas versões da novela, sendo que os pastos correspondem a 99% das áreas de ação humana. Em 1990, as fazendas representavam apenas 7,3% do bioma, número que saltou para 16,2% em 2020, data do levantamento mais recente. A maior preocupação é com a área da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, que tem apenas 43% de área natural. “É no planalto que ficam as cabeceiras dos rios formadores do Pantanal, e quase todas as nascentes estão sofrendo com a ação humana. E elas são áreas de recarga hídrica”, explica a pesquisadora Cátia.

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À esquerda: Pantanal de 1990, praticamente intocável. À direita: Pantanal de 2020, com avanço da agropecuária na borda do bioma em amarelo MapBiomas/Reprodução

Uma consequência da interferência na bacia hidrográfica são as secas que assolam a maior planície tropical alagada do mundo de tempos em tempos. Cátia explica que a região alterna períodos de cheia e de seca naturalmente, mas que ações humanas, como hidrovias que alteram o fluxo de água na região, podem colaborar para o agravamento da situação. “Tudo isso entra em uma sinergia, e é difícil saber quanto é natural e quanto está sendo promovido com muito mais força pelas ações antrópicas”, pondera.

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À esquerda: Pantanal de 1990, com muito mais água do que em 2020 (à direita) – a superfície alagada aparece em azul MapBiomas/Reprodução

Fato é que, mesmo nas secas, áreas da planície alagada costumam se manter cheias, promovendo o equilíbrio ecológico do bioma. Isso, no entanto, tem diminuído drasticamente nos últimos anos: segundo o MapBiomas, de 1990 a 2020, a região perdeu mais de 974.500l hectares de superfície alagada, declínio que corresponde a 68,9% das águas que inundavam a área em 1990. Em números absolutos, o Pantanal fica atrás apenas da Amazônia, que registrou queda de 1,1 milhão de hectares no mesmo período.  “Na época da novela Pantanal, essas áreas estavam sempre inundadas. Em 2020, tivemos grandes incêndios e parte do bioma foi queimado porque estava seco. Essa é a questão principal, pois o Pantanal sem água deixa de ser Pantanal”, aponta a pesquisadora. Assim, quando a novela original foi gravada, as águas correspondiam a 9,37% do bioma, número três vezes maior do que os 3,61% de 2020.

Diante disso, a novela, que conta com personagens protetores da natureza, como o Velho do Rio, deve usar sua plataforma para destacar a beleza ainda conservada da região, e defender sua preservação. Todas as imagens que eu vi são impressionantes, e tem a questão do meio ambiente que, hoje, é essencial, e que a novela, com o aspecto do folhetim, vai trazer para a discussão”, disse o ator Enrique Diaz, intérprete de Gil.

Fonte: Veja

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