No leste do Mato Grosso do Sul, a 860 quilômetros distância do Palácio do Planalto, está a primeira vítima brasileira do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos e a União Europeia à Rússia de Vladimir Putin.
É uma fábrica inacabada de fertilizantes nitrogenados da Petrobras — UFN-III nos prospectos da empresa estatal.
Foi projetada para reduzir à metade a atual dependência doméstica de importações de adubos à base de amônia e ureia, que beira 90%. Está em construção há uma década, num perfeito retrato da caótica administração pública nacional.
Na sexta-feira 4 de fevereiro, a Petrobras anunciou ter chegado a um acordo sobre “as minutas contratuais” para vender a fábrica ao grupo russo Acron, herdeiro privado da base produtora de fertilizantes da extinta União Soviética. “A assinatura do contrato de venda”— esclareceu — “depende ainda de tramitação na governança da Petrobras, após as devidas aprovações governamentais”.
O governo festejou. Jair Bolsonaro aproveitou para lembrar, em redes sociais, que o mico bilionário da UFN-III tinha dono — o PT de Lula e Dilma Rousseff.
“Para aquela turma, R$ 3,7 bilhões é pouco”— disse. “Lembro que um ex-diretor da Petrobras [Pedro Barusco] devolveu R$ 290 milhões [durante a investigação da Lava Jato]. Além do prejuízo de R$ 3,7 bilhões que foram gastos na fábrica, ainda se gasta R$ 1 milhão para cuidar da sucata que está lá, porque algumas coisas prestam.”
Acrescentou: “O mundo vive uma crise de fertilizantes, perdemos uma oportunidade de ter uma fábrica produzindo, fazendo fertilizantes no país. Os fertilizantes aumentaram cerca de três vezes, e isso reflete no preço da comida que está na sua mesa.”
Dez dias depois viajou a Moscou. Temia os danos colaterais, para o Brasil, do conflito da Rússia com a Ucrânia. Fábricas russas foram a maior fonte de suprimento de fertilizantes para o Brasil no ano passado. Entregaram 22% de todo adubo importado para as lavouras do país. Na pandemia e com a evolução da crise ucraniana, os preços aumentaram em velocidade surpreendente: por cada tonelada que comprou no ano passado, o Brasil pagou 56% mais que preço médio de 2020.
Bolsonaro foi ao Kremlin pedir a Putin garantias de oferta de fertilizantes e alguma estabilidade nos preços neste ano. Candidato à reeleição, qualquer acerto em Moscou seria um trunfo potencial junto à base de eleitores cuja vida depende dos rumos do agronegócio. Eles o sustentaram na campanha de 2018 e ainda o mantém na liderança nas maiores regiões agrícolas, segundo as mais recentes pesquisas.
Bolsonaro voltou sem garantias formais, mas assegurou aval político para a venda da fábrica de nitrogenados da Petrobras para Acron.
Putin, hábil como um espião treinado, aparentemente deixou Bolsonaro se convencer de que não invadiria a Ucrânia, apesar dos reiterados avisos públicos do governo americano sobre a iminência da invasão.
No domingo, a Rússia foi desligada do sistema financeiro global. Estão proibidos negócios com o Banco Central russo, o que impede a liquidação de contratos de compra e venda.
A guerra de Putin tornou inviáveis os negócios estrangeiros das empresas russas. Entre eles o da Acron com Petrobras para compra da fábrica inacabada de fertilizantes do Mato Grosso do Sul.
O mico bilionário permanece semi-edificado numa estrutura com reatores de amônia e ureia de 40 metros de altura e 671 toneladas de peso. Foram importados da China, atravessaram a última década estacionados numa área de Três Lagoas, à margem do rio Paraná, e têm futuro tão incerto quanto o de Putin e o da Ucrânia.
Fonte: Veja