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Paraguai: Tráfico, dinheiro e poder alimentam violência na fronteira

Onda de assassinatos em outubro trouxe de volta para a região as antigas disputas entre quadrilhas rivais e o PCC

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A fronteira do Brasil com o Paraguai, com 1.365,4 km de extensão, é apenas a sexta maior divisa entre o território brasileiro e um de seus vizinhos sul-americanos (atrás de Bolívia, Peru, Venezuela, Colômbia e Guiana). Corresponde a menos de 9% dos mais de 15,7 mil km de fronteiras terrestres do país.

No entanto, o trecho de menos de 20km onde as cidades de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e Pedro Juan Caballero, no lado paraguaio, são divididas apenas por uma avenida, é um dos principais focos de tensão das fronteiras nacionais. É por ali que entra uma parte considerável das drogas que são vendidas e exportadas a partir do Brasil, sem falar em contrabandos dos mais diversos tipos.

“Essa região, historicamente, tem uma importância comercial para o Brasil, desde o café que era trazido por ali. Depois se torna uma região de centro comercial que inclui o comércio legalizado e também o informal, com produtos de contrabando. É um pólo binacional. Uma região que geograficamente tem um fluxo muito intenso de pessoas, mercadorias e circulação de dinheiro”, explica Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência da USP.

A geografia da região também é um fator importante. Diferente da chamada Tríplice Fronteira, onde Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazu (Argentina) são separadas pelos rios Paraná e Iguaçu, a divisa em Pedro Juan e Ponta Porã pode ser atravessada apenas para ir a uma padaria que fica no outro país, por exemplo.

“Não existe um controle: de um lado da rua é Paraguai, do outro é o Brasil. Existem alguns pontos de barreira nas estradas principais, controles da Alfândega, Receita Federal. Mas essa facilidade é uma característica importante para entender como a região vai ser importante para redes criminais. Além disso, tem boas estradas, ligações com Campo Grande e na direção de São Paulo”, afirma.

Por tudo isso, as disputas entre grupos locais pelo controle das atividades criminais são históricas e vêm aumentando, especialmente após a chegada de membros do PCC à região. No início de outubro, a violência retornou com uma série de execuções, em que pelo menos sete pessoas foram mortas em seis dias, incluindo um vereador de Ponta Porã e a filha do governador do departamento de Amambay — da qual Pedro Juan Caballero é a capital.

A situação não é inédita. Segundo Camila Nunes Dias, que estuda as dinâmicas do PCC tanto no cenário local quanto no nacional, os episódios graves vêm se repetindo constantemente desde que um importante líder local foi morto a tiros em 2016. Jorge Rafaat Tourmani era apontado como o responsável por manter a situação relativamente tranquila na região.

“Rafaat era da região e fazia parte da comunidade libanesa, era dono de vários comércios. Também teria uma rede de comércio ilícito, supostamente contrabando de produtos, armas e drogas. Era uma pessoa importante da região, uma espécie de guardião da ordem no local, era respeitado e não deixava que tivesse roubos ou homicídios que afetassem o comércio”, conta a especialista.

Mudanças nos anos 1990

O cenário começou a mudar quando o PCC e outras facções brasileiras, como o Comando Vermelho, começaram a se interessar pela região, no fim dos anos 1990 e início da década de 2000. De início, os membros que chegavam vinham foragidos e pensando na possibilidade de escapar do território brasileiro. Depois viram a facilidade para transportar drogas e outras mercadorias contrabandeadas e muitos decidiram ficar.

“O Fernandinho Beira-Mar foi um ‘pioneiro’ nesse tipo de ação. No caso do PCC, quando começou a crescer em São Paulo, foi muita gente pra lá. Na segunda metade dos anos 2000 houve uma migração muito intensa e, de lá para cá, tem muito mais gente. O PCC tem um projeto de controle da região e isso gera conflitos com a ordem local. Até hoje eles não conseguiram”, ressalta Camila.

Para a professora da UFABC, após a morte de Rafaat a liderança na fronteira ainda não foi preenchida, mesmo com todos os conflitos e as tentativas de grupos brasileiros. A impressão que fica é de uma região sem lei, explica ela.

“Fica um vácuo de poder, sem alguém que exerça o poder e também a regulação. O PCC não consegue fazer a regulação porque não tem raízes culturais e sociais, não tem os vínculos comunitários. Independente dos dados, o fato é que os moradores não têm relação com o PCC e os veem como criminosos comuns, como uma ameaça, que vão fazer com que os crimes aumentem”, alerta.

Nos últimos anos, a fronteira vem alternando períodos de mais tranquilidade com outros em que a violência é generalizada. Na opinião da pesquisadora, essa dinâmica não deve se alterar até que algum dos grupos que atuam na região consiga subjugar os outros ou simplesmente saia de cena.

“A tendência é seguir até dar uma estabilizada. São muitos grupos atuando, uma competição muito intensa, vai ter conflitos até estabilizar. Vai ter essa disputa de grupos até alguém obter domínio ou se enfraquecer até sair de cena. O PCC é um ator importante no local, com uma vantagem importante sobre esses grupos. Os outros são quadrilhas, o PCC pela característica de ser uma organização com base nos presídios se reforça, se alguém morre pode ser reposto facilmente”, finaliza.

Fonte: R7

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