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“Meus gatinhos de quintal”, diz Elias sobre as onças que rastreia, se inspira e tem maior respeito

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Uma vida dedicada às onças pintadas. Assim é como Elias Tanus, 44 anos, reconhece sobre seu talento e vocação que o faz feliz. Gastrônomo de formação, ele trocou a perícia na faca e agilidade nas panelas para conquistar o olhar ligeiro, faro aguçado e uma paciência “de Jó” que tem hoje, isso no meio da mata pantaneira.

E por tanto sair à caça do felino rei do Pantanal, seja de dia ou à noite, o guia de turismo acabou por receber um título dos próprios estrangeiros à altura: “jaguarman”, isto é, “homem onça”.

Nada mais apropriado.

Para O Pantaneiro, Elias compartilha a história de sua caminhada, desde os tempos de cozinha até a profissão que o escolheu, pois praticamente sempre esteve no seu sangue. E hoje já sabe o que realmente o torna completo.

“Cresci cercado pela natureza, quando ainda existia a Fazenda Jardim Bela Vista na Capital. Meu pai comprou os primeiros terrenos no local e ali passei minha juventude. Mas só me mudei definitivamente para o Pantanal sul em 2018, pelo menos 30 anos depois disso tudo”, explica o campo-grandense.

No ano de 1989, quando ainda era pré-adolescente, Elias teve experiências que fazem parte do seu carinho e afeto pelo bioma pantaneiro. Uma de suas primas se casou com um dos filhos da família Coelho, se mudando posteriormente para a Fazenda Carandá (Porto Murtinho) e em seguida na Fazenda São José do Abrigo (Rio Negro) – herança dos pais Laucídio e Lucia Coelho.

 Único registro que Elias tem da Fazenda São José do Abrigo, em Rio Negro, propriedade das irmãs Coelho.

Elias frequentou ambas as localidades de tempos em tempos, conhecendo de perto a vida no campo sempre que podia junto das chamadas “rainhas do Pantanal”, as gêmeas Lia e Lola Coelho (esta última a sogra da prima de Elias) que cuidavam das propriedades. De lá, ele guarda algumas histórias que jamais poderá esquecer.

“Uma delas, por exemplo, foi quando uma onça estava a rondar a fazenda. Dona Lola avisou para o capataz deixar quieto, que ‘a natureza dava seu rumo’, mas o funcionário não respeitou a ordem. Ao atirar no bicho, errou, e sentiu na própria carne a dor que é levar mordidas e arranhões do ‘gatinho’. Ele só sobreviveu porque a onça deixou e a latifundiária já tinha um avião preparado para emergências”, conta.

O tempo passou. Mesmo Elias tomando outros rumos, nunca se esqueceu disso. Fez cursos de gastronomia e se formou chef de cozinha. Trabalhou em vários restaurantes da Capital, ganhou prêmios na profissão e foi parar em 2017 no município de Ilha Grande, litoral fluminense. Foi lá onde se reconectou, após tantos anos, com a natureza.

Antes de virar o “Jaguarman”, ele encarou a vida de mestre-cuca; ganhou prêmios e até foi parar em Ilha Grande (RJ).

“Caminhava todos os dias na praia, com aquela brisa do mar na cara e a areia entre os dedos. Percebi que o que mais me faltava era voltar a sentir o barro grudado na bota, o lombo duro de tanto andar a cavalo, do cheiro de mato, gado e da sensação boa de curtir um banho de rio”, esclarece.

E claro, sem esquecer das pegadas de onça que viu pelo caminho. “Foram as irmãs que me ensinaram a procurá-las. Ia no fundo do mangueiro caçar as pistas de que um ‘gatinho’ havia passado por lá. Memórias vieram à tona, e eu decidi que era hora de voltar”.

A frase “eu acho que vi um gatinho” é a mais comum na vida do Jaguarman (Foto: Douglas Fischer Photography)

De Elias a Jaguarman – “Jamais toquei em uma onça pintada, mas já fiquei cara a cara com muitas. Questão de 5 metros de distância. Elas já conhecem meu cheiro e eu o delas”, diz o guia de turismo sobre o odor forte de “gato molhado”.

Acionando contatos e caindo de cabeça na vida de homem pantaneiro, Elias foi parar na Fazenda São João, na região do Parque Estrada Pantanal Sul, onde até hoje trabalha. Entre passeios de cavalo, observação de aves, saídas de barco/carro à procura de onças, foi a caminhada noturna que o deixou famoso. Utilizando os conhecimentos que adquiriu na juventude, a vida de rastreador veio naturalmente.

Elias é o guia voltado aos passeios de cavalo, observação de aves e safaris de barco/carro à procura de onças.
Ao percorrerem os rios sul-mato-grossenses, turistas podem curtir os animais, a paisagem nativa e a água fresca.
Registro que Elias fez em seu celular, com o pôr-do-sol fechando o dia após travessia de jipe pela Estrada Parque.

“Cada encontro é transformador. É 1 hora de pura adrenalida”, conta. E adiciona: “ao avistar uma onça, é normal ela ficar de olho na gente e seguir seu caminho. Meu trabalho é exatamente esse: respeitar o rumo da natureza”, diz o Jaguarman.

Para Elias, seus “gatinhos de quintal” já o conhecem a ponto de deles virem ao seu encontro, e não o oposto.

“É a energia do gato. As onças sentem nossa intenção e correspondem de acordo. Elas são o rei e eu o invasor. Por isso, na minha experiência, eu sei que elas se ‘exibem’ para mim. E é realmente impressionante ver o ataque delas no bioma. O coração vai a mil”, descreve.

De língua para fora bocejando “gostoso”; não faltam cliques inusitados que Elias faz das onças que avista no caminho.

Preservação – Com ajuda de câmeras-armadilha, Jaguarman cataloga os felinos e cada uma de suas manchas – tal qual como a digital humana. Porém, na época das queimadas que devastaram o Pantanal do ano passado para cá, ele confirma que o bioma vem sofrendo – e muito.

“Passei várias noites resgatando os animais. Lágrimas rolaram ao ver meus ‘gatinhos’ não serem poupados pelo fogo. Foi a pior queimada que a Estrada Parque já passou. A Fazenda São João teve a sorte de não ser tomada pelo fogo, o que seria uma tragédia”, avalia.

Clique de câmera “trap” de uma onça pintada; nos passeios noturnos, Jaguarman confirma: “é a maior adrenalina”.

Nesse meio tempo, Elias vem catando lixo na estrada e acompanhando de perto a pior seca dos últimos tempos. Enquanto homem que respira o Pantanal, o bioma é nosso maior bem, servindo de inspiração e não campo de destruição.

“O ensinamento que tiro é que Deus e natureza são um só. Deveríamos aprender com a própria onça, a ter paciência e viver em harmonia. Não é o que tenho visto atualmente”, reflete.

Enquanto homem do mato, Elias acompanha de perto as mudanças que o bioma pantaneiro vem sofrendo atualmente.

Mesmo com os desafios dos últimos anos – entre queimadas e até mesmo a pandemia –, Jaguarman está entusiasmado com o que está por vir. Afinal, as visitas que deram uma trégua já vem ganhando retorno, e o ecoturismo na região volta gradualmente a ter o destaque de antes.

“Meu plano agora é voltar ao tempos de chef, preparando uma espécie de ‘roteiro’ gastronômico inspirado nos animais e na natureza. Serão 5 pratos, feitos em fogão a lenha de angico, de forma bem rústica, natural e orgânica. Eu amo culinária, mas também me inspiro no Pantanal raiz. Aqui é o meu lugar”, finaliza.

“Sou apaixonado pelo que eu faço”, diz Elias sobre as inúmeras caminhadas que já fez com grupos de turistas.

Quem quiser pode acompanhar Elias “Jaguarman” no Instagram.

Fonte: OPantaneiro

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