Homem branco, privilegiado, de classe média alta do Rio de Janeiro. O resumo é do próprio economista Eduardo Moreira, que conseguiu sair do que ele chama de bolha, após ter estudado e se formado em instituições particulares e trabalhar por duas décadas como banqueiro.
Nas duas últimas semanas, depois de uma entrevista para a jornalista Leda Nagle, Eduardo virou polêmica por falar de realidade conhecida há anos em Mato Grosso do Sul, a miséria e a fome entre indígenas.
O economista iria apresentar mais um de seus projetos, “O Brasil de Verdade”, que busca retratar a realidade das comunidades vivem em situação de miséria no País. Mas ao lembrar os sete dias que passou com indígenas de Dourados, em novembro de 2019, não imaginava a repercussão e a dimensão que o caso ganharia.
Foi atacado nas redes sociais e acabou decidindo criar vaquinha on-line para arrecadar ajuda aos moradores das aldeias de Dourados.
Entender como Eduardo chegou até essa experiência é uma reflexão que todos são convidados a fazer, antes de atirar pedras virtuais.
Ao lado da esposa e da rainha Elisabhet II, o ex-banqueiro Eduardo Moreira começou a pensar na miséria social após trabalho para eliminar violência com cavalos (Foto: Twitter/Reprodução)
Cheguei a ser sócio de um dos maiores bancos do país, mas cinco anos atrás comecei a estudar a desigualdade social. Em 2012 fui condecorado pela rainha Elizabeth II após projeto para eliminar a violência com a doma de cavalos. Naquela época fiquei impressionado como eu vivia em uma bolha. Somos um país enorme, com desafios e comecei a viajar pelo país para palestrar pensando sobre isso”, relembra.
Nos últimos três anos, Eduardo começou a debater e participar da Reforma da Previdência. Diz ter analisado teses de mestrados de países como Noruega, Suécia e Austrália que possuíam desigualdade social e conseguiram sair dessa situação. “Vi que os livros iam me levar até certo ponto. Precisava conhecer essa realidade, que eu até tinha certo preconceito.”
Nesse ponto, cita comunidades que são alvo de preconceito não só dele, mas de uma grande parcela de brasileiros. “MST (Movimento Sem Terra), presidiários, favelados, indígenas, retirantes do Nordeste”.
A experiência pessoal do ex-banqueiro foi de “virar a chave” e decidir morar em 30 comunidades marginalizadas no país.
“No meio dessa confusão vi esse genocídio à luz do dia em Dourados. Em uma semana nas terras de retomada fiquei absolutamente estarrecido com o que vi. Morei com eles, comendo o resto de comida que eles comiam, dormindo uma hora por noite, vendo picapes com pessoas armadas, que representavam fazendeiros, fazendo meio que o policiamento das terras”, lamenta.
Eduardo comeu restos de comida que os indígenas comiam e dormiu apenas uma hora por noite com medo de milicianos das terras em Dourados (Foto: Instagram)
Duas situações chamaram a atenção de Eduardo durante os dias com os indígenas douradenses.
O que me marcou muito e me faz citar sempre essa experiência foi a história de uma senhora que mora na beira da estrada e dos seis filhos, quatro foram assassinados em conflitos de terras, sendo um deles uma criança de só 4 anos de idade. O outro caso foi de um rapaz que tem uma bala de tiro ao lado do peito. Ele conta que quando foi operar fizeram a cirurgia sem anestesia. A médica disse que era para ele aprender a não entrar mais em terra de fazendeiro.”, cita.
Segundo ele, enquanto não conhecia a realidade, era fácil adotar qualquer teoria. “Quando você vê e vive de perto, nem que seja por alguns poucos dias, sofre com essas pessoas, você não consegue mais dormir e nem militar sem se preocupar e lutar por essas pessoas. Você se acha um traidor se não fizer isso”, explicou.
Todas as comunidades contra as quais antes Eduardo tinha preconceito o acolheram, como um integrante do grupo, observa. “Eles dividiram o nada que tinham comigo. Oferecer um pedacinho do lugar que tem para eu dormir. Eu luto a favor dessas pessoas. Eu acho que não só em Dourados, mas em qualquer lugar do mundo existem pessoas vivendo pior do que cachorros vira-latas. Não existe humanidade se não existe o olhar para o próximo. Não podemos nos elogiar enquanto estiver entre nós irmãos e irmãs vivendo em condição de miséria.”
Repercussão – De lá pra cá o economista tem recebido centenas de mensagens praticamente iguais. “Ficou claro que alguém iniciou uma campanha para me difamar e criar uma narrativa de que afirmei que todos os douradenses comem resto de comida e vivem sob milícias. Além disso, recebi inúmeras intimidações e dezenas e dezenas de ameaça de morte”, conta.
“Tem pessoas que falaram que se eu não parar de falar disso vão vir aqui me matar e que se eu pisar em Dourados vão me acabar na porrada”, revela.
No entanto, Eduardo não temeu os ataques e aproveitou o momento de visibilidade para atrair os olhos para a causa. Deputados federais e senadores de outros estados se interessaram no assunto. Os políticos locais, como o deputado estadual Marçal Filho (PSDB) e o prefeito da cidade, Alan Guedes (PP), não gostaram da forma como Dourados acabou sendo vista no País e apresentaram moções de repúdio para Eduardo.
“O prefeito termina a carta dele dizendo que se um dia isso aconteceu, não existe mais e fala que eu poderia voltar lá para conferir. Mas em momento algum das cartas eles se preocuparam com o que eu denunciei. Não tem uma linha, uma frase falando ‘poxa, vamos verificar, isso é um absurdo’. Nada. Nenhum comentário. Fiquei horrorizado com a insensibilidade deles”, destacou o ex-banqueiro.
Em resposta, Eduardo se colocou à disposição, com proteção policial, para ir com representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), do Congresso Nacional e com as autoridades locais visitar as aldeias de Dourados.
“Não vou responder ódio com ódio. Aproveitei para chamar a atenção para os indígenas e fiz uma live para promover a maior ajuda da história para essa comunidade. Em 24h já conseguimos arrecadar R$ 387 mil. Além das ajudas de outras formas, com doação de alimentos, sementes e projetos, já somam R$ 500 mil.”
A campanha termina na próxima segunda-feira (31) e já superou a expectativa dos organizadores. “Existe muito mais gente em Dourados preocupada com os indígenas do que os que não estão”, entende Eduardo Moreira.
O conselho de Eduardo para sair da bolha é simples. “As pessoas precisam primeiro é se informar sobre a verdadeira situação que os que precisam vivem, estabelecer contato com as organizações que ajudam essas comunidades e se possível ouvir, conversar para saber como você pode ajudar. Visite, veja e ouça o próximo.”
Fonte: CGN