Hoje presidente do conselho de inovação da Ânima Educação – empresa que reúne instituições de ensino superior como São Judas e Unisul, entre outras -, Silva diz que a Embraer tem capacidade para se manter competitiva mesmo diante de um cenário adverso que reúne a pandemia da covid-19 e a frustração com o fim do acordo com a Boeing. Em abril do ano passado, a americana desistiu de comprar a unidade de aviação comercial da brasileira, um negócio de US$ 4,2 bilhões.
“A linha de aviões executivos (da Embraer) é muito moderna e customizável. Esse segmento está ajudando a empresa a manter um adequado nível de atividades, em especial durante este período da pandemia de covid-19, que tem atingido fortemente a aviação comercial. (…) O segmento da aviação comercial recuperará sua atividade após a pandemia e a Embraer estará pronta para manter sua atuação competitiva”, afirmou.
Em 2018, o senhor estava animado com a possível venda da unidade de aviação comercial da Embraer para a Boeing. Como recebeu a notícia, no ano passado, de que a Boeing havia desistido da compra?
Eu não diria que estive animado com a venda, embora reconhecesse os motivos que a sustentavam. A compra da canadense Bombardier pela Airbus daria a um dos maiores competidores da Embraer (a Bombardier) um grande fôlego para crescimento. A Boeing percebeu que a Embraer seria o melhor caminho para competir com a Airbus no campo da aviação regional. Porém, as negociações entre Boeing e Embraer foram muito difíceis e a configuração final era de complexa execução, o que me deixava preocupado. Na sequência, a Boeing passou a enfrentar problemas com um avião recentemente lançado no mercado, o 737-500 MAX, que passou a exigir enormes gastos em investigações e ressarcimentos, mudando sua prioridade. O negócio foi encerrado. Penso que a Embraer será capaz de encontrar seus caminhos sem a Boeing.
Sem a Boeing e após a Airbus ter comprado o programa de jatos comerciais da Bombardier, como fica a situação da Embraer?
A Embraer sempre foi uma empresa muito competitiva. Ela tem uma extensa linha de aviões tanto comerciais quanto executivos. A linha de aviões executivos é muito moderna e customizável. Esse segmento está ajudando a empresa a manter um adequado nível de atividades, em especial durante este período da pandemia de covid-19, que tem atingido fortemente a aviação comercial. As pessoas incorporaram a mobilidade regional e internacional ao seu estilo de vida. O segmento da aviação comercial recuperará sua atividade após a pandemia e a Embraer estará pronta para manter sua atuação competitiva.
Qual estratégia a Embraer deve adotar para sobreviver ao mercado mais competitivo e à crise da pandemia, que praticamente paralisou a indústria aeronáutica?
A Embraer tem uma incrível equipe de gestores, engenheiros, fornecedores e colaboradores nas mais diferentes áreas. Tem também um dos melhores portfólios de aeronaves para seus clientes. Não atuo mais na empresa há muitos anos, por isso não posso falar sobre sua estratégia. Mas não tenho nenhuma dúvida de que a empresa está muito bem equipada para avançar e continuar sendo um player de enorme importância no setor.
O sr. já comentou, em outras entrevistas, que sua experiência na esfera pública o fez perceber que o governo é lento e controlador. Por isso, a melhor opção seria privatizar. Como analisa o governo Bolsonaro sob esse aspecto e a falta de avanço nas privatizações?
A privatização foi fundamental para a continuidade e sucesso da Embraer. Não estou apto para falar da realidade atual de outros setores e negócios em que o governo mantém atividade econômica.
O meio para isso está nas pessoas. É preciso que a sociedade produza constantemente profissionais capacitados, corajosos e com espírito empreendedor. Pessoas devem ser estimuladas pelo conhecimento e pelo ambiente em procurar desafios e a inovar. A educação é o instrumento fundamental para a transformação das populações. Foi isso que o ITA fez com a indústria aeronáutica brasileira e a região em que ele foi instalado. Se houvesse mais instituições educacionais do nível do ITA, em outras áreas de conhecimento, certamente os cidadãos realizariam maiores proezas no desenvolvimento de empresas e do País. Seria melhor assegurado o desenvolvimento econômico da sociedade.
O que permitiu que, 50 anos atrás, uma empresa de tecnologia de ponta fosse criada no País?
A palavra-chave é “educação”. O brigadeiro Casimiro Montenegro Filho foi um dos maiores visionários que viveram em nosso País, tendo sido a força que idealizou e viabilizou o ITA, cuja missão era formar engenheiros aeronáuticos. O ITA, desde seu início, primou pela excelência de sua educação. Em 1954, quando houve a cerimônia de formatura da sua primeira turma de engenheiros, o brigadeiro Montenegro disse: “Vocês estão prontos. Um dia vocês irão fabricar aviões que voarão por todo o mundo. Eu posso não estar aqui para ver, mas tenho certeza de que vocês farão.”
Como foi a conversa que o senhor teve com o então presidente Costa e Silva para convencê-lo a criar a Embraer? Ele comprou sua ideia facilmente?
A conversa ocorreu por uma casualidade muito favorável. O presidente estava em voo para um evento em Guaratinguetá (SP) mas o mau tempo o fez pousar em São José dos Campos, junto ao Centro Tecnológico da Aeronáutica, o CTA. Como naquele momento eu, como tenente-coronel da aeronáutica, era a autoridade presente, fui incumbido de receber o presidente. Aproveitei a oportunidade para mostrar a ele o que vínhamos fazendo em termos de desenvolvimento de aviões, inclusive o avião Bandeirante, que estava nascendo na mesma época. O ministro da Aeronáutica na época, Marcio de Souza e Mello, já vinha comentando com o presidente sobre as tendências da aviação mundial no sentido da ampliação da aviação regional e que o Brasil teria vocação para este setor. A visita inesperada do presidente às nossas instalações de projeto e construção do Bandeirante ajudou a dar melhor visão a ele sobre o assunto. O tema ainda precisou de mais alguns meses de estudos e convencimento para que finalmente fosse dada a aprovação a constituição da Embraer.
Qual foi o momento mais difícil que o senhor viveu na Embraer?
O maior desafio foi o período que antecedeu a privatização da empresa, de 1991 a 1994. A empresa estava em um momento de transição e não projetava ter um futuro promissor sob as rígidas regras que regem as empresas do Estado. Ela precisava ser privatizada e assim ganhar agilidade para voltar a investir e crescer. Sabemos que o tema da privatização é sensível no Brasil e, ainda que a necessidade fosse clara, houve muita resistência. Foi preciso manter o foco e a perseverança em níveis muito elevados, e concluímos com sucesso a tarefa. No final a privatização se mostrou como a decisão correta, pois a empresa cresceu muito, gerou muitos empregos e riqueza para a região e o Brasil. Posso dizer que ver esse sucesso que a empresa atingiu, tendo se tornado uma das maiores empresa do setor no mundo é muito gratificante. Igualmente prazeroso foi ter a confirmação de que nossa tese inicial, tomada lá nos anos 60, de investir na aviação regional, afastando-se da competição dos grandes fabricantes mundiais que eram então focados nos grandes aviões.
Fonte: Estadão