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Projeto Noleedi responde 12 perguntas sobre o fogo no Pantanal

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Os incêndios florestais no bioma Pantanal apresentam os maiores registros de focos de calor desde 1998, quando se iniciou o monitoramento pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Antes de 2020 o ano com maior registro de focos de calor para o bioma foi o ano de 2005, registrando 12.536 focos de calor para aquele ano. Em 2020, até o dia 13 de outubro já foram registrados 20.550 focos de calor, 12.248 no Pantanal mato-grossense e 8.302 no Pantanal sul-mato-grossense.

Com o intuito de esclarecer a população com informações técnicas, precisas, mas de uma forma clara e acessível a todos, o Projeto Noleedi traz respostas a 12 perguntas mais frequentes relacionadas ao tema. O uso das informações aqui contidas é livre desde que citada a fonte (Projeto Noleedi).

 

O “Projeto Noleedi – Efeito do fogo na biota do Pantanal sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação” é uma iniciativa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que está pesquisando os efeitos do fogo no Cerrado e Pantanal. O estudo é realizado na Terra Indígena Kadiwéu, no município de Porto Murtinho/MS, onde o PrevFogo Ibama conta com duas brigadas que utilizam o Manejo Integrado do Fogo. Noleedi significa fogo no idioma Kadiwéu.

1 – O fogo no Pantanal é normal?

O Pantanal é um bioma adaptado ao fogo, mas eventos de fogo da magnitude deste ano não são normais (27% do Pantanal foram queimados em 2020).

2 – Qual a área queimada hoje no bioma Pantanal?

A área queimada estimada do bioma Pantanal é de 4.117.000 hectares de janeiro de 2020 até agora. A porção sul-mato-grossense do Pantanal contribui com 1.902.000 ha e a porção mato-grossense, 2.215.000 ha. Esse valor corresponde a 27% de todo o bioma*. Os dados são atualizados toda terça-feira, são elaborados e disponibilizados pelo Laboratório de Análises de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – https://lasa.ufrj.br/noticias/area-queimada-pantanal-2020/

 

Situação atual até 11 de outubro de 2020.

*Dados atualizados em 11/10/2020

3 – Quem ou o que provoca o fogo?

As condições do clima são responsáveis pela extensão dos incêndios, a rapidez com que ele se propaga e até mesmo a quantidade de vegetação seca disponível para o fogo. Agora a grande maioria dos incêndios tem causa humana, seja acidental ou intencional. Existem também eventos de fogo causados por raio, mais comuns durante a estação chuvosa.

4 – Quais os efeitos para a flora?

Os efeitos diretos e imediatos (a curto prazo) são locais. Algumas áreas têm fogo muito intenso e a vegetação é totalmente queimada, com alta mortalidade de árvores. Em outras áreas o fogo é rasteiro e afeta somente a vegetação herbáceo-arbustiva e essa parece ser a condição mais comum. Porém, mesmo onde o fogo é mais intenso, muitas espécies persistem por meio de brotamento a partir das raízes, caules e sistemas subterrâneos ou se regeneram por meio de sementes oriundas do banco de sementes do solo ou, ainda, com mais tempo, por dispersão a partir de outras áreas. Portanto, é previsível que a vegetação se regenere mesmo onde o fogo foi mais intenso. Existem no Pantanal áreas que têm histórico de fogo recorrente nos últimos anos. Então é esperado que o impacto do fogo seja menor nessas áreas pois, teoricamente, as espécies que conseguem permanecer nessas áreas já foram selecionadas e são as mais resistentes. Por outro lado, nas áreas onde a frequência de fogo é baixa seria esperado um impacto maior, com maior mortalidade de indivíduos e exclusão das espécies mais sensíveis. Nas áreas com menor frequência de fogo é esperado que a composição de espécies, em escala local, se altere. Logo, essa mudança de composição de espécies na vegetação pode ter efeito sobre a fauna também, uma vez que muitos animais dependem de folhas, frutos e flores destas espécies. A morte de árvores de grande porte tem um efeito significativo, uma vez que o tempo para os indivíduos que rebrotaram levarão para alcançar tal porte pode ser demorado. Isso também se reflete nos animais, por exemplo, a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) coloca seus ovos em ocos de manduvis (Sterculia apetala), mas esses ocos são comuns em árvores antigas de mais de setenta anos e a morte de árvores como essas reflete em uma diminuição de locais para nidificação.

Vegetação nativa brotando após passagem do fogo, Terra Indígena Kadiwéu. Foto: Fernanda Prado.

5 – Quais os efeitos para a fauna?

Os animais de menor porte e mais vagarosos como cobras, lagartos, jabutis e pequenos mamíferos são os mais afetados por terem uma menor capacidade de escapar das chamas, mas não somente eles. Foram registrados até animais com capacidade de voo mortos ou com as asas feridas. Tomando como exemplo a onça-pintada (Panthera onca), em eventos normais de fogo, esse animal consegue buscar refúgio em campos alagados, rios e lagoas e dificilmente é atingido pelas chamas. Porém, neste ano, devido a seca histórica que o Pantanal vem atravessando, esses refúgios diminuíram muito. Além disso a grande extensão dos incêndios impossibilita a fuga desses animais que acabam feridos  ou até mesmo mortos. Isso pode impactar a população das onças no Pantanal que já se encontram ameaçadas e, no pior cenário, aumentar o risco de extinção dessa espécie. Além disso, os animais sofrem com a redução na disponibilidade de alimento, caso estes sejam destruídos pelas chamas.

Onça pintada. Foto: Rudi Ricardo Laps.

6 – Quais os animais mais afetados?

Possivelmente algumas espécies endêmicas – que ocorrem exclusivamente em uma determinada região geográfica, foram afetadas pelos incêndios deste ano. O chororó-do-pantanal (Cercomacra melanaria) e a garrincha-do-oeste (Cantorchilus guarayanus) são espécies que têm ligação com florestas e matas de borda de rio. Dependendo da quantidade de área florestal afetada podemos ter uma diminuição nas populações (o chororó é mais preocupante).

Chororó-do-Pantanal, foto: Willian Menq. Garrincha-do-oeste, foto: Márcio Cavalheiro.

Outras espécies que usam mais florestas direta (mutunsjacutingas) ou indiretamente (local de nidificação – particularmente espécies que usam ocos em árvores mortas) também devem ser afetadas. Pode ocorrer um efeito cascata para os frugívoros – animais que se alimentam de frutos, como os mutuns, jacutingas e psitacídeos (incluindo a arara-azul). Desta maneira, monitorar os recursos de frutos e ocos de árvores é bastante importante. Além disso, como já mencionado, os animais de menor mobilidade serão os mais afetados.

Mutum, Jacutinga e Arara-azul. Fotos: Rudi Ricardo Laps.

7 – Quais os prejuízos causados?

Um fogo desta proporção vai diminuir a quantidade de recursos para as populações tradicionais e indígenas do Pantanal. No caso dos pecuaristas, temos relatos da morte de animais do rebanho, destruição do pasto, deixando os animais sem comida, e destruição de cercas e de torres de eletricidade e até mesmo de pontes, dificultando muito o acesso a determinadas regiões.  Fora os custos mencionados acima, o combate ao incêndio é muito mais caro que a prevenção. Para se ter uma ideia o custo de dois dias de combate, levando em conta apenas as horas de voo das aeronaves seria o suficiente para manter uma brigada de 15 homens por seis meses. Além disso, o Pantanal gera serviços ecossistêmicos no valor de oito mil dólares por hectare, segundo o observatório do Pantanal, e é difícil avaliar quanto destes serviços foram perdidos com um incêndio que já atingiu 27% do bioma.

8 – Quanto tempo o bioma Pantanal levará para se recuperar dos danos causados? Que ações devem ser tomadas para acelerar este processo?

Do ponto de vista da vegetação, estruturalmente a recuperação pode ser rápida dependendo do potencial de resiliência da região. Porém, em regiões já sujeitas a histórico de degradação, mais fragmentadas pelo desmatamento, a recuperação é mais lenta e intervenções podem ser necessárias, como fertilização do solo, semeadura, plantio e transplante de plantas. Para espécies arbóreas de grande porte que eventualmente morreram, pode levar muitos anos para se recuperar o porte da vegetação. Mas muitas espécies podem rebrotar fechando o dossel (cobertura) das formações florestais como as matas ciliares, mas com nítida presença de espécies indicadoras de áreas recentemente perturbadas como a  embaúba (Cecropia pachystachya). Para a vegetação herbácea, algumas espécies que se beneficiam do fogo como o mercúrio (Microstachys hispida), em algumas regiões, podem aumentar bastante as suas populações. Como o fogo faz parte da dinâmica da paisagem, a melhor providência a se tomar é monitorar a regeneração avaliando se a vegetação segue o seu curso natural ou se são necessárias medidas de restauração ativa (ex.: plantio, semeadura, adubação, cercamento). Especial atenção deve ser dada à espécies de interesse da população local, bem como espécies-chave para a fauna, pois a falta desses recursos para estas populações humanas e da fauna pode refletir em prejuízos alimentares, de abrigo e de uso medicinal.

Doutorando Bruno H. Ferreira faz o monitoramento da flora em área de estudo do Projeto Noleedi. Foto: Fernanda Prado.

9 – O uso do fogo na vegetação é totalmente proibido?

Não, de acordo com o Artigo 38 da Lei Nº 12.651/12, é proibido o uso de fogo na vegetação, exceto nas seguintes situações:  1. Em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o uso do fogo em práticas agropastoris ou florestais; 2. O Uso (do fogo através) da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo e conservação da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo; 3. Atividades de pesquisa científica vinculada a projeto de pesquisa devidamente aprovado pelos órgãos competentes e realizada por instituição de pesquisa reconhecida. Em todas as situações citadas acima a prática deve ser feita mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente.

10 – É possível evitar os incêndios no Pantanal?

Sim, com um plano bem abrangente de manejo integrado do fogo, utilizando queimas prescritas no início da estação seca ou mesmo em períodos de estiagem na estação chuvosa podemos evitar muitos dos grandes incêndios que estamos vendo agora, através do controle da quantidade de vegetação seca disponível para o fogo. Isso só é possível com políticas públicas para o Manejo Integrado do Fogo (MIF), por exemplo aprovando o Projeto de Lei sobre MIF que está parado na Câmara do Deputados, com a formação de brigadas permanentes, envolvimento da comunidade, respeitando o conhecimento local do manejo do fogo, e através da educação ambiental. O fogo faz parte da dinâmica do Pantanal e saber manejá-lo corretamente evita que incêndios, como os que ocorrem em 2020, voltem a acontecer.

Brigadistas da Terra Indígena Kadiwéu atuando com o Manejo Integrado do Fogo (MIF). Foto: Silvio Xavier.

11 – O que é o Manejo Integrado do Fogo (MIF)?

O Manejo Integrado do Fogo (MIF) é uma atividade que encara o fogo como uma ferramenta de manejo. Através dela é possível realizar avaliações que vão desde os aspectos sociais, econômicos e culturais da necessidade do uso do fogo, até aspectos ecológicos do ambiente com relação à presença ou não do fogo como agente perturbador natural em seus processos. A inter-relação destes aspectos, utilizando-se do conhecimento ancestral do uso do fogo pelas populações tradicionais e da ciência, tem revelado ótimas oportunidades de se utilizar o fogo como grande aliado da conservação da biodiversidade, produção econômica, manutenção de tradições sociais e culturais.

12 – Os resultados do Projeto Noleedi já mostram os benefícios do MIF para o combate aos incêndios?

Os resultados preliminares do projeto mostram que a partir da criação das brigadas na Terra Indígena Kadiwéu, em 2009, a frequência e extensão dos incêndios diminuiu, inclusive nas formações florestais como os cerradões e matas ciliares, que são consideradas mais sensíveis ao fogo. Este manejo também diminuiu a influência do clima nos incêndios na região.

Brigadistas indígenas do Prevfogo/Ibama contemplam mirante com vista para a Terra Indígena Kadiwéu. Foto: Bruno Henrique dos Santos Ferreira.

Fonte: Projeto Noleedi

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